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Bem Comer: Comer fora de casa. História nº 1

Entra a canícula pelas nossas portas dentro e o aumento da temperatura pede rua ao…

Texto de Redação

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Entra a canícula pelas nossas portas dentro e o aumento da temperatura pede rua ao entardecer, de preferência coberta por sombra benfazeja.

Como escreveu Sophia: ”Os dias de verão vastos como um reino. Cintilantes de areia e maré lisa…”

Nesta época do ano ao fim de semana frequentam-se as esplanadas, sobretudo ao pé do mar, e põem-se de lado os almoços e jantares mais complicados, substituindo-os por propostas mais leves, de acordo com o ambiente estival.

Com esta crónica inicia-se um conjunto de deambulações sobre as peripécias de comer “al fresco”. Narrativas engraçadas ou curiosas sobre episódios em que a mesa foi posta ao ar livre. Em restaurante, num pinhal, terraço ou quintal, durante um passeio ao campo ou à praia.

O grande inimigo desta aventura de “comer fora” é o vento. O vento incomoda, levanta as toalhas, derruba os copos de plástico, deita os guardanapos de papel para o chão. Embora, por outro lado,  baixe a temperatura ambiente. Não se pode ter tudo...

"Al fresco" sim, mas  com cuidado para não voarem as perucas, capachinhos, panamás, boinas e outros chapéus.

Senhor dos ventos era - e é - o Guincho. Praia magnífica nos raros dias em que não há vento. Local temível quando o “barrão” de nuvens ao fundo, coroando o Cabo da Roca, se avistava de Cascais prenunciando ventania.

Em tempos que já lá vão e em que o mundo nos parecia mais simples do que é hoje, as famílias aproveitavam os dias feriados de Junho para fazerem “picnics” nos pinhais que bordejavam a praia do Guincho.

Vinham com a trupe as inevitáveis sardinhas, alguidares com tomate, pepino e pimentos, tudo já lavado. Garrafas de vinho, gasosas e laranjadas, dentro de baldes de gelo. Pão de Mafra casqueiro para amparar a sardinha assada. Fatias de melão já cortadas.

A fogueira para assar no chão era já proibida, motivo pelo qual começavam a trazer-se grelhadores de pé (para quem era mais avançado) ou os velhinhos fogareiros de barro com o abanico de palha ao lado para espevitar o fogo.

Assar as sardinhas era uma “missa” completa e reservada a “sacerdotes” muito experientes. Não se queria por ali “sacristão” recém-encartado.

Segundo os especialistas, a sardinha queria-se suculenta por dentro,  dourada e estaladiça por fora, pele solta e carne firme.

E quanto ao processo de assar   propriamente dito, havia primeiro que sacudir o peixe do sal, depois levá-lo inteiro à grelha, enquanto o fogo já se encontrava no ponto certo.

O carvão calculava-se em relação à quantidade de sardinhas a assar. A grelha entrava no fogo, ficava uns momentos e saía da brasa no momento exato, deixando a sardinha uniformemente assada e soltando o seu pingo de gordura.

O pão recebia então a sardinha ainda quente, fumegante, soltando a pele e deixando perceber a carne branca e deliciosa.

Assunto para especialistas, obviamente.

Na minha família era o meu pai que fazia de assador As esposas  e os cunhados preparavam os acompanhamentos, eu e os meus primos jogávamos à bola na areia e o único trabalho que tínhamos era sentarmo-nos na manta e comer.

Belos tempos.

Depois do almoço estendiam-se as camas de rede entre os pinheiros para os “cotas” ressonarem. Mas nem todos.

Meu tio José, “Maitre-de-vins” num hotel de luxo do Estoril conhecido por ter albergado espiões de todas as cores durante a segunda guerra mundial, tinha muito mundo e sabia detalhes da linha de Cascais que não eram do conhecimento público.

Assim que dava conta que a mulher, as cunhadas e os cunhados estavam noutras ocupações, às voltas com a sesta, chamava-me de lado (eu era o sobrinho mais velho)  e começávamos a caminhar por entre os pinhais a caminho das praias mais reservadas onde alguns aventureiros, turistas na sua maior parte, se atreviam a praticar nudismo embora tal prática fosse proibida em Portugal.

Não me recordo se alguma vez vi esses corpos nus que teoricamente tomariam banhos de sol no areal do Abano nesses anos da década de 60 do século passado.

Mas do que nunca mais me esqueci foi da grande rabecada que levámos numa dessas ocasiões, quando um par de guardas-republicanos escondido por entre as giestas nos saltaram à frente, convencidos que éramos nós que íamos disfarçadamente despir-nos e praticar aquele desporto proibido quando chegássemos à orla marítima.

O que nos salvou foi a barriguinha avantajada de meu tio, que lhe permitiu responder à autoridade “Mas os senhores pensam que com esta pança eu tenho algum gozo em despir-me na praia? Nem na praia nem em mais lado nenhum exceto na banheira!”

E foi com essa retórica – e com a promessa de os receber bem lá no Hotel, na porta do pessoal – que nos viemos embora só com o raspanete.

O mundo podia ser mais simples, mas não havia liberdade. Nem para um cidadão olhar, quanto mais para se despir…

Texto de Manuel Luar
Ilustração de Priscilla Ballarin

Se queres ler mais crónicas do Bem Comer, clica aqui.

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