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Bem Comer: Comer fora de casa. História nº 5

Fazer serenatas à chuva será uma coisa bem tradicional e respeitada desde o êxito do…

Texto de Redação

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Fazer serenatas à chuva será uma coisa bem tradicional e respeitada desde o êxito do filme de 1952 em que Gene Kelly nos assombrava com um espetacular número de canto e de dança onde o guarda-chuva servia de parceira.

Para quem está apaixonado, ou a viver um idílio, a chuva que cai na testa só pode ajudar ao enamoramento. Tudo nos parece bem, não há obstáculos nem percalços que não se transformem em momentos felizes por obra e graça daquele estado de alma.

Como nos dizia Jean Gabin : « Le jour où quelqu'un vous aime, il fait très beau ». Mesmo que chovam canivetes.

Todavia, nem sempre o comum dos mortais vive nesse “engano de alma, ledo e cego”, por muito que se deseje.

Pelo que na maioria dos casos é uma grande chatice quando piqueniques bem planeados para tardes de tempo ameno no campo se transformam em cenas de máquina automática de lavagem de carros onde os protagonistas estão fora da viatura.

Comer sentado numa manta, debaixo de algum pinheiro manso, nunca foi cenário que me atraísse. Nem quando era mais novo e me dobrava com facilidade, muito menos agora quando as pernas e o tronco parecem que não estão de acordo quanto à direção e força do impulso necessários para se levantarem do chão…

Mas a ocasião que vou relatar era de saudável convívio familiar, as senhoras mulheres tinham decidido que era boa ideia sair de casa, e para manter a harmonia lá foram dois casais direitos a Sintra com farnéis nas malas dos carros.

Devo dizer que adoro Sintra e que a atmosfera da serra sempre me cativou, com as suas histórias e lendas extraordinárias - como a da quinta da Penha Verde que pertenceu a D. João de Castro e onde há quem acredite que estão enterradas ossadas de verdadeiros centauros trazidas da Índia pelo vice-rei.

O antigo Monte da Lua é contudo fértil em mudanças de tempo. E foi uma dessas alterações súbitas que nos surpreendeu.

Naquela altura ainda se podia merendar em Monserrate. Embora a conservação do local deixasse então a desejar (não era nada do que hoje se pode ver) as próprias ruínas e a profusão da vivacidade da flora, que crescia sem ordenação, ajudavam a manter as características especiais daquele ambiente. Era quase místico.

Escolhida a árvore para nos dar acolhimento – a grande araucária que teria sido plantada por Francis Cook e que ainda hoje deve ser a mais alta árvore do jardim – estendeu-se a manta alentejana no chão e preparou-se o cenário.

Aqueles “piqueniqueiros” eram algo sofisticados. Não se tratava da cena bem portuguesa do garrafão e dos pastéis de bacalhau com arroz de tomate.

Nós tínhamos passado por Negrais e trazido sandes de leitão que estava a sair do forno e igualmente ali nos abastecemos de batatas fritas às rodelas e de “pickles” feitos pela “patroa”.

O outro casal amigo tinha feito a volta ao contrário, pela “Periquita”, onde tinha comprado croquetes, empadas de galinha e os inevitáveis “travesseiros”.

De casa tinha vindo a geleira com duas garrafas de Palácio da Brejoeira e mais duas de limonada feita na véspera.

Pratos eram de plástico, mas por respeito ao vinho eu tinha trazido copos de vidro.

Posta a “mesa” contaram-se histórias, sendo que a que mais fez rir o pessoal foi a dos “centauros de D. João de Castro”. Falou-se em saltar o muro da quinta e ir lá ver as campas. Houve um gracioso (moi) que lembrou que seria melhor levar um fardo de palha para atrair as criaturas, e por aí fora…

Estávamos a meio caminho da primeira sandes de leitão, já com uma garrafa do nobre Alvarinho bem bebida, quando começa a soprar um vento malicioso.

A serra ficou rapidamente coberta de nevoeiro e a temperatura baixou de forma considerável.

Era vento Norte ou de Noroeste, o ar carregado de humidade subia a serra e condensou, depois desceu e veio a precipitação.

Parecia uma daquelas tempestades tropicais que desabam num momento e sem aviso prévio. Ficámos todos encharcados.

E o remédio foi vir para dentro do carro maior acabar o “piquenique”. Era o FIAT 124 do meu pai, que adorava aquele carro e a quem tive de explicar mais tarde as manchas de molho do leitão nos estofos…

No meio das graçolas e dos impropérios próprios da ocasião, com muitas críticas às senhoras que se tinham lembrado “daquilo”, lá veio a observação mais inteligente:

“Isto foi vingança de algum centauro. Livra! Vir para aqui contar histórias de fantasmas nunca mais!”

Texto de Manuel Luar
Ilustração de Priscilla Ballarin

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