Lá para os idos do ano de 1502 Vasco da Gama retomava a viagem para a Índia depois da passagem do sempre complicado Cabo da Boa Esperança. Navegando já no Índico avistou algumas ilhas que batizou com a sua posição na esquadra – Ilhas do Almirante. Mas não parou para tomar posse ou explorar.
Um século mais tarde os franceses ali desembarcaram e deram o nome do Ministro das Finanças de Luis XV àquele arquipélago: Moreau de Séchelles. Mesmo depois da propriedade ter passado para os ingleses (1812), em consequência das guerras napoleónicas, o nome já não se alterou.
Foi nesse local - que alguns consideram o paraíso na terra - que tive ocasião de provar mais uma esquisitice: morcego estufado e morcego com caril.
Diz-nos o circunspecto “National Geographic”: “Em arquipélagos como as Seychelles, a vida evoluiu sem mamíferos à vista. Aqui, os únicos mamíferos terrestres endémicos são mesmo os morcegos”.
Se escolhermos os animais que comemos com base na alimentação dos ditos, a ideia de cozinhar morcegos nem parece muito descabida pois a maior parte da dieta das espécies que têm por habitat as Seychelles é constituída por frutos (e insetos, mas sobre isso já discorri).
Não falamos dos morcegos com outro tipo de hábitos mais “cinematográficos”, como os hematófagos das pampas argentinas que de facto se alimentam do sangue do gado.
Mesmo assim todo o cuidado é pouco quando o que aparece no prato é constituído por espécies ferais, por animais selvagens.
Se com algumas espécies de caça europeias como os coelhos e os javalis existem doenças transmissíveis para os humanos pelo consumo, sendo obrigatória a vigilância veterinária dos animais mortos, então em África e a situação é muito pior.
Não nos esqueçamos que (por exemplo) o ébola pode ser transmitido pela carne de morcego. Não é nenhuma brincadeira.
Todavia as Seychelles vivem há milénios separadas do continente africano, desenvolveram por isso uma fauna e uma flora peculiar, da qual fazem parte os seus morcegos. E a espécie que normalmente se cozinha ali é uma subespécie dos “morcegos-da-fruta”. Endémica das ilhas e onde não é crível que tenha chegado contaminação viral.
Nas Seychelles estes morcegos frugívoros quando se utilizam culinariamente chamam-se “roussettes”. E podem ser apresentados em estufados lentos ou em caril.
O sabor lembra o dos nossos pombos, mas a carne é mais seca e escura pelo que os molhos acabam por ser importantes.
Mais uma vez ia preparado para a descoberta e dali saí tosquiado. Ou seja, não encontrei no paladar, na apresentação, no bouquet do prato, variáveis que pudessem suscitar uma experiência gastronómica deslumbrante. Come-se, sem mais adjetivos que se possam utilizar para valorizar.
E perante um caril de camarão ou de caranguejo dos coqueiros quem escolheria um caril de morcego?
A resposta pode estar nos hábitos da população local. Também em Portugal há quem prefira comer bacalhau seco quando o país será um dos que tem o melhor peixe fresco do mundo…
“Nem sempre galinha nem sempre rainha” como dizia D. José I ao seu confessor que o criticava pelas aventuras fora do matrimónio.