fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Bem Comer: Momentos para recordar. História nº9

É necessário que existam clientes conhecedores e atentos para espevitar o interesse e a honra…

Texto de Redação

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

É necessário que existam clientes conhecedores e atentos para espevitar o interesse e a honra dos cozinheiros e chefes, sendo que a forma mais simples de explicar porque é que uns são “cozinheiros” e os outros “chefes” - perdão “chefs”, à francesa - tem a ver com o nível e a organização do restaurante.

Se tem dimensão, qualidade e categoria para ter “brigada” a trabalhar na cozinha, então tem que ter um chefe que orienta e coordena os cozinheiros.

E convencionou-se chamar-lhe “chef” pela influência da cozinha francesa em todo o mundo desde os tempos de Escoffier. Claro que hoje em dia, e pelas mesmas razões da influência global na atividade, se calhar teríamos que lhe chamar “Ryōri suru” ou “Ryourinin”, à moda do Japão…

O cliente é que tem a última palavra. Porque paga. E da sua frequência do restaurante depende o sucesso do mesmo.

Mas a combinação ganhadora entre o agrado geral que satisfaz a maioria dos que ali entram, e a perfeição artística que deslumbra especialistas mas nem sempre atrai clientes, é difícil de alcançar. Até porque nesta equação complicada entra também o preço.

Mestre Paul Bocuse dizia da sua sopa “VGE” - soupe aux truffes noires”, preparada pela primeira vez no Elysée para o presidente Valérie Giscard d’Estaing - “Não é para toda a gente…”

E à distância não daria para perceber se ele se referia ao preço ou à capacidade para a apreciarem.

Para quem é bacalhau basta? Depende do bacalhau, porque se for do bom e bem demolhado à antiga não é para o dente de qualquer cidadão.

Fazer bem sempre, nunca se importando com o público, era a divisa do grande mestre de atores Talma (1763-1826) para quem o proscénio era como que uma parede que isolava o ator e a sua arte do meio ambiente. Entre outras considerações mais filosóficas e elevadas, a existir essa “parede” sempre protegeria os praticantes de algum sapato atirado para a boca de cena em sinal de desagrado…

Essa poderia ser a teoria, mas na prática o espectador da peça e o cliente que se senta para bem comer são partes integrantes do espetáculo, seja ele o Frei Luis de Sousa em produção do Teatro Nacional ou uma perdiz à moda do Convento de Alcântara elaborada com arte e engenho para alguma mesa de apreciadores.

E aqui bate o ponto. Na palavra “apreciadores”.

Vale a pena perder tempo, dedicação, investigação do receituário tradicional ou desenvolvimento de novos conceitos, para compor uma ementa que se destina a clientes pouco esclarecidos?

Vale sim, senhores. Da mesma forma porque Bach ou Beethoven compunham para toda a gente que os pudessem ouvir. Ou porque Herberto Helder escrevia também ele para todos que o quisessem ler.

Evidentemente que são as vanguardas esclarecidas dos críticos e outros líderes de opinião que hoje escrevem nos meios “on-line” que muitas vezes preparam o consumidor “normal” para o que vai encontrar em cada casa de comidas.

E esses especialistas pelo menos têm a obrigação de conhecer aquilo que criticam.

Para criticar uma guarnição “à financeira” temos de saber qual o cânone dessa preparação. Se forem perdizes o acompanhamento “à financeira” tem de levar os fígados das mesmas, chalotas, batatas pequenas assadas e castanhas.

Quem pede um linguado rosa deve saber que está a pedir um animal que se alimenta de marisco perto da costa, e que por isso tem a barriga rosada da cor do camarão.

Um salmonete “no capote” é grelhado inteiro, com a tripa. Esta é depois retirada no prato e o fígado separado para barrar em tostas quentes com um pingo de limão.

E por aí fora.

Evidentemente que haver dinheiro para frequentar certas moradas cuja conta final é pesadota nem sempre é sinal de ter conhecimento adquirido para apreciar na globalidade tudo o que por lá se faz.

Incluindo se falta a chalota na perdiz, ou se o peixe armado em “belle vue” deve ter salada russa ao lado, ou não.

Nestas ocasiões relembro meu mestre António Chambel, o criador do primeiro clube de vinhos que existiu em Portugal:

“Amigo, a verdadeira prova do vinho é o gosto do bebedor. Se tem de inventar muita palavra cara para descrever o que está no copo, não beba, Se o vinho lhe agradou logo no nariz, na boca e na garganta, repita!”

E noutro enquadramento mais antigo:

“ Real Senhor! Todos comem palha, a questão é sabê-la dar… " - como explicou Manuel Joaquim Machado Rebelo (o Abade de Priscos) ao Rei D. Luis I depois de lhe ter feito uma sobremesa onde tinha entrado aquele estranho ingrediente.

Snobismos à parte, é triste qualquer profissional esforçar-se sem que lhe deem apreço. Podemos conhecer, ou não, o que nos estão a dar, mas se gostámos importa questionar, saber o que nos deram e eventualmente chamar à mesa o cozinheiro para lhe dar os parabéns.

Há também contos engraçados, como o daquele industrial que chegou comigo ao Porto de Santa Maria - que na altura tinha fama de ser um dos melhores, e sem dúvida era o mais caro restaurante do país - com um grupo de quatro amigos e perante uma Dourada de Mar magnífica, que tinha sido muito difícil de encontrar pelo proprietário por causa do peso necessário para dar de comer a 5 pessoas, rematou a refeição dizendo para o dono do restaurante que "o gosto do peixe até não era mau, mas achara-o um pouco rijo”.

Devia estar habituado a comer dourada de aviário, mole como as papas...

O senhor Galveias – nosso anfitrião - chamou-me de lado para me dizer que “gente desta por favor não me traga cá mais a casa.”

E nem era pelo dinheiro, ou pela falta dele. Pela falta de educação. No sentido “escolástico” do termo.

Texto de Manuel Luar
Ilustração de Priscilla Ballarin

Se queres ler mais crónicas do Bem Comer, clica aqui.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

8 DE ABRIL 2024

A pobreza em Portugal: entre números crescentes e realidades encobertas

Num cenário de inflação galopante, os salários baixos e a crise da habitação deixam a nu o cenário de fragilidade social em que vivem muitas pessoas no país. O número de indivíduos em situação de pobreza tem vindo a aumentar, mas o que nos dizem exatamente esses números sobre a realidade no país? Como se mede a pobreza e de que forma ela contribuiu para outros problemas, como a exclusão social?

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0