*Esta é uma crónica do Salvador Sobral, inicialmente publicada na Revista Gerador de março, lançada no dia 6 de março de 2020.
Desde criança que sofro terrivelmente com o fim das coisas. Fossem férias com a família, peças de teatro na escola ensaiadas com meses de antecedência, torneios de futebol e até namoros de infância. Muitas vezes, sofria com o fim das coisas muito antes deste realmente acontecer. Pensei que com a maturidade iria aprender a lidar com os vários fins da vida, que aprenderia a relativizá-los.
Pois bem, acabei de chegar de uma residência artística em Melides, que durou sete dias, e estou emocionalmente destruído – sendo que já desde o quarto dia sofria por faltarem menos dias dos que já haviam passado.
Foram sete dias em que oito músicos se juntaram para criar. Essa era a nossa missão. Deixámos família, trabalho e outros afazeres para trás e dedicámo-nos inteiramente à arte. Que privilégio poder ter tempo nestes tempos errantes que vivemos.
Comemos, dormimos e tocámos juntos. Foi um Big Brother musical. Mas não foi preciso confessionário, e ninguém foi expulso de casa. Estávamos todos ali pelo bem maior, a música. Cada pessoa trouxe o melhor de si, sem qualquer tipo de preconceito ou barreira, como a verdadeira arte deve ser criada. Foi, sem dúvida, a experiência musical mais intensa e enriquecedora da minha vida.
Mas no sétimo dia, voltámos para casa. Cada um para a sua. E a minha cá estava fria e desabitada. Não senti que me esperasse nem que estivesse contente por me ver.
É com alguma vergonha que admito que já cheguei a pensar se não seria melhor não fazer este género de aventuras para poupar o sofrimento consequente.
Será que esta patologia tem um nome? DPF: Depressão-pós-fins? Se sim, será que tem cura? Será que existem grupos de apoio? Por favor, se alguém tem alguma informação importante sobre isto ligue para a linha de apoio do Gerador.
Desejo-vos a todos bons fins!
*Texto escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1945
-Sobre o Salvador Sobral–
Inquieto, curioso e sem papas na língua, conta com dois discos: Excuse Me (2016) e Paris, Lisboa (2019). Pelo meio, venceu a Eurovisão e integra grupos como Noko Woi, Alexander Search, Mutrama, Alma Nuestra e Cantar Brel. É o autor da crónica «Insónias Produtivas» na Revista Gerador.