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MANNA e Época: “Consciência como estilo de vida”, servida à mesa

“Nós vamos ter sempre este cariz artesanal, por isso, por muito que aumentemos ligeiramente a…

Texto de Carolina Franco

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“Nós vamos ter sempre este cariz artesanal, por isso, por muito que aumentemos ligeiramente a produção e façamos mais um dia por semana, não queremos adulterar o nosso caráter artesanal e respeitador dos timings – tanto dos nossos como do pão em prol de uma vertente comercial. Não queremos comprometer isso”, dizia Rafaela Santos, co-criadora do Lume Eco Project, em entrevista ao Gerador. Quando perguntamos a pequenos produtores que interesse teriam em aumentar a escala da produção, dizem-nos que há um fator de que nunca irão prescindir: a qualidade. 

Para que a possam manter-se fiéis ao que os fez criar os seus projetos, as grandes superfícies não são opção. Desta forma, para que possam chegar mais longe geograficamente, vendem os seus produtos em mercados biológicos ou, como é o caso da Menina D’Uva, em restaurantes, cafés e mercearias que têm a sustentabilidade na sua génese. Aquando da escrita da reportagem “O que comeres, dir-te-á quem podes ser — estórias de resistência entre o campo e a cidade”, publicada na Revista Gerador 33 , e que serve de ponto de partida a este artigo, o limite de caracteres não permitiu que se auscultassem lugares que potenciam um encontro com estes produtores locais e os seus produtos. Sendo fundamental convidá-los para se juntarem a esta reflexão, procurámos, agora, ouvir dois espaços que se têm tornado uma referência da valorização local e sazonal na cidade do Porto: o Época e o MANNA

Se em tempos os dois maiores centros urbanos eram praticamente as únicas zonas onde se podia encontrar uma grande variedade de fast food - que continua a existir, com cada vez mais cadeias de restaurante -, nos últimos anos tem-se visto um contrariar dessa tendência. Na cidade, a vida parece passar a correr, as refeições parecem ter de ser a correr, e o risco de comer “qualquer coisa” é maior. Mas tanto no Porto como em Lisboa, há projetos que convidam a parar, para que nos possamos reconectar com os alimentos que crescem no nosso país, sem adições químicas, e com o essencial. Como se através de um prato de comida nos lembrassem que comer bem pode mudar-nos a vida, a muitos níveis. 

De dentro para fora: um “estilo de vida” que se quer em comunidade

“A decisão de ter um pequeno espaço para cozinhar para uma comunidade foi de índole muito pessoal, não houve nenhuma razão mais ampla que nos fizesse pensar em ‘mercado’, por isso esta questão de não se falar tanto de uma alimentação mais diversificada, a celebrar a amplitude que os ingredientes conseguem tomar, foi muito pouco pensada como um método de criar um negócio, mas sim como a única forma de fazer alguma coisa com sentido”, conta Liliana, co-fundadora do Época. 

Relativamente perto dos jardins do Palácio de Cristal, o Época convida a entrar pela aura, com um conforto quase de casa preenchido pela luz natural que entra pelas grandes janelas rasgadas. Os clientes, que não entram necessariamente num perfil possível de os caracterizar em massa, não só valorizam o que comem; valorizam esse espaço de conforto, onde o convívio também é convidativo. Porque, no fundo, o Época é mais do que apenas um café. Liliana arrisca-se mesmo a dizer que “a questão do Época poder ser mais do que um espaço para comer é talvez o aspecto mais valioso deste café”. 

Apesar de agora, devido às regras de confinamento, esse convívio não poder existir, Liliana recorda o que aconteceu quando era possível: “as pessoas que se conheceram aqui são agora, muitas delas, amigas, e também se reencontram ao acaso — uma coisa muito bonita de se ver, gente a satisfazer as suas saudades”. 

Das grandes janelas do Época, vê-se a cidade / Fotografia de José Guilherme Marques

Já o MANNA, na Rua da Conceição, em plena baixa do Porto, é um espaço onde o bem estar físico e mental são postos em prática a diferentes níveis. As refeições vegan, a yoga e a meditação juntam-se à literatura sobre sustentabilidade e aos vinhos biológicos, desde 2019. Apesar de só há dois anos o projeto se ter concretizado, Sara e Helder, os co-criadores, já há muito que tinham iniciado um “processo de transformação pessoal”. “Nós trabalhávamos em Marketing e Comunicação há mais de 15 anos, sempre ligados a uma indústria de consumo. Ao longo dos últimos anos, começou a surgir em nós um sentimento de frustração por estarmos praticamente a viver duas vidas opostas. Como profissionais a estimular cada vez mais um consumo sem consciência, e como indivíduos, num caminho mais minimalista e sustentável”, partilham com o Gerador.  

O momento decisivo aconteceu quando viajaram pela primeira vez para a Indonésia e sentiram que podiam “criar no Porto um espaço de bem estar holísitico” onde fosse possível “nutrir corpo e mente” e onde pudessem, ao mesmo tempo, “progressivamente contribuir para a mudança de paradigma da indústria do consumo”. Nasceu, assim, o MANNA, cujo nome significa “aquilo que nutre”.  “Que nutre do ponto de vista físico, como mental. Uma nutrição holística, um espaço de bem estar integral.” 

Como a abertura coincidiu com o despontar da pandemia, partilham que ainda não conseguiram criar a agenda que idealizaram para o MANNA, onde querem incluir “eventos e ações que visam promover este estilo de vida consciente”. Tal como o Época, encontram-se neste momento a preparar refeições para take-away, que continuam na linha do que têm feito até agora e que os tem distinguido. E apesar de, na génese, o Época e o MANNA serem lugares onde o essencial tem pontos em comum são, na verdade, espaços bastante singulares. 

A vida de Helder e Sara pediu outro rumo, que os levou até MANNA / Fotografia da cortesia de MANNA

Nesse essencial que os une, está a escolha dos produtos com que trabalham. Liliana conta que, no Época, “os produtos surgem naturalmente com o decorrer do ano”, e “há alimentos que nos deixam a pensar muito numa altura específica do calendário” — são exemplo os morangos Mara des Bois ou os tomates Coração de Boi. “Pelos tempos invernosos também se vai reinventando com as couves, os tubérculos, as raízes, e quando está muito frio fazemos mais pratos com os belíssimos feijões e usamos ainda mais ervas aromáticas para compensar a falta da frescura primaveril. Depois, quando chegam os primeiros espargos, começam a chegar os produtos que exigem muita atenção, como as favas e as ervilhas, que compensam com o sabor inigualável, e tudo está bem assim — tudo e cada coisa a seu tempo”, conta. 

No MANNA, Sara e Helder escolhem os produtos como se fossem para eles, para a sua casa, como se tivessem que cozinhar para amigos todos os dias, como os próprios descrevem ao Gerador. A base das escolhas é, sobretudo, “consciência”. “Escolhemos com consciência da proveniência, da origem, da cadeia de valor, e do impacto integral daquele produto ou serviço. E assumimos consciência por oposição a fundamentalismos ou fenómenos de modas e tendências. Consciência como estilo de vida.”

No MANNA há alimento para o corpo e para o pensamento / Fotografia da cortesia de MANNA

Estando a consciência na base do trabalho do MANNA, a todos os níveis, tentam sempre “apresentar as histórias, as proveniências, explicar o trabalho, dar nomes de quem está na criação de cada produto”. “A cada vez que o fazemos há uma valorização do produto, da cadeia de valor e sobretudo do produtor. É muito giro de ver quando, por exemplo, recebemos os cogumelos ou o azeite, que o próprio produtor nos entrega durante o dia, e alguns clientes, sentados nas mesas, vão falar com o produtor e dão os parabéns pelo produto, perguntam onde podem comprar para suas casas”, contam Sara e Helder. 

Esta relação de proximidade com os produtores também acontece, naturalmente, no Época, onde trabalham atualmente Liliana, Tiago, Mariana e Ana. Quando perguntamos a Liliana quão importante é sabermos de onde vem o que comemos, diz-nos que é “essencial, como sabermos de onde vem tudo aquilo que nos rodeia”, já que “é uma coisa com um sentido muito lato, que deve ampliar a sensibilidade que temos para com o mundo”. “Acho que quando nos importamos com a origem da nossa comida, temos connosco um bom ponto de partida para nos tornarmos mais conscientes, e claro que também há vantagens mais concretas dessa própria consciência, como retirarmos informação mais fidedigna daquilo que compramos, conseguindo estabelecer uma conversa direta com os produtores que nos dizem as propriedades e características das suas colheitas, e assim aprendendo a cozinhar cada vez melhor.”

A pandemia ainda não permitiu que o MANNA ofereça todas as suas possibilidades / Fotografia da cortesia de MANNA

Produtos do campo para a cidade, materializados numa viagem de sabores da cidade para o campo

No trabalho que fazem todos os dias, que é mais do que apenas servir refeições, Sara e Helder acreditam que têm “um papel fundamental” para “estreitar ligações entre o centro urbano e a produção fora da cidade”. “É por isso que gostamos de mencionar, de promover, de apresentar os nomes de quem produz, para tentar gerar massa crítica, uma rede de consumidores suficientemente sólida para que esse produtor possa ter escala e continuar a fazer o seu trabalho”, dizem. 

Liliana, que já vai tendo alguns anos de experiência, conta que criar uma ponte entre o centro urbano que é o Porto e as localidades “onde cresce a nossa comida” é “das coisas mais relevantes” que foram acontecendo ao Época. “Vai-se usando um ou outro produto e depois as pessoas perguntam onde se arranja isto que elas acabaram de almoçar e conseguimos naturalmente referenciar pequenos mercados e pequenos produtores que estão muito pouco representados em superfícies mais acessíveis para toda a gente, e assim vê-se cada vez mais um interesse por essa alternativa para a compra dos frescos e outros produtos únicos”, explica ao Gerador. Desta forma, tal como acontece inevitavelmente no MANNA, gera-se um lugar de partilha e educação informal sobre sustentabilidade. 

“Esta comunicação e partilha de conhecimentos é essencial para se ir ajustando os hábitos das pessoas. Claro que há uma componente muito mais ampla, de responsabilidade governamental, que tanto é necessária, e que estabeleça a alimentação de qualidade como um direito e não como um privilégio.” 

Tal como o nome indica, no Época a primazia é dada a produtos sazonais / Fotografia de José Guilherme Marques

O caminho mais longo e já afirmado do Época, e o não tão longo mas promissor do MANNA dão pistas sobre o que podem ser lugares que vão contra a corrente da aceleração dos tempos. Mas por muito que tentem fazer um trabalho contínuo e regular, numa lógica diária, sabem que não podem mudar o contexto nacional sozinhos. Para Liliana, “o caminho de Portugal (e do mundo desenvolvido), ainda por pavimentar, passa mesmo por uma reforma daquilo que a alimentação significa no sistema capitalista, que tal como outras questões extremamente básicas, não deviam estar à mercê de organismos que as conseguem fazer parecer tão mercantilizáveis”.

Já Sara e Helder, estão certos de que “temos que remar no sentido oposto” — “é mais do que evidente”. “Deixamos as coisas ir longe demais, e precisamos rapidamente mudar mentalidades e formas de estar. A educação é a ferramenta mais poderosa para mudar o rumo das coisas, mas demora o seu tempo e requer um compromisso inabalável dos decisores políticos. Por isso, o despertar de consciências pode funcionar como uma alavanca para a aceleração do processo de mudança de mentalidades. E não estamos a falar apenas de sustentabilidade na perspectiva das alterações climáticas. A sustentabilidade vai além disso.”

As refeições vegan do MANNA têm tido uma procura crescente / Fotografia da cortesia de MANNA

 Porque a sustentabilidade não se pensa, ou não se deveria pensar, apenas de forma esporádica, lugares como o Época e o MANNA podem não representar uma solução para os seus clientes. Mas representam uma porta para mudança, e por vezes basta isso para ir mais além. 

Durante esta semana convocamos novamente as vozes da reportagem “O que comeres, dir-te-á quem podes ser — estórias de resistência entre o campo e a cidade”, publicada na Revista Gerador 33. Este é o último de três artigos que publicamos ao longo desta semana, sobre os quais podes saber mais, aqui. Caso o primeiro te tenha escapado, podes lê-lo aqui, e o segundo aqui

Texto de Carolina Franco
Fotografia de José Guilherme Marques

Se queres ler mais entrevistas sobre a cultura em Portugal, clica aqui.

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