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Marta Betanzos: “A cultura é um elemento fundamental na construção da identidade de um país”

Com o objetivo de promover a internacionalização de diversos criadores, instituições, festivais e indústrias culturais…

Texto de Patricia Silva

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Com o objetivo de promover a internacionalização de diversos criadores, instituições, festivais e indústrias culturais espanholas através de conteúdos digitais em alguns programas desenvolvidos pela AECID, o Conselho Cultural da Embaixada de Espanha decidiu juntar-se ao Gerador. Desta forma, nasceu o novo EP COLAB 2020, um programa que tem como objetivo transformar-se num laboratório “produtivo” de ideias, aproveitando o enorme potencial das plataformas digitais para multiplicar e enriquecer o trabalho em rede.

Estivemos à conversa com Marta Betanzos, Embaixadora de Espanha, para perceber melhor a intervenção cultural nas relações entre Portugal e Espanha.

Gerador (G.) - A Cultura desempenha um papel fundamental na construção de uma sociedade, de um país e, consequentemente, na História.
Voltando-nos para os países ibéricos, considera que a Cultura é importante na relação de países como Portugal e Espanha?

Marta Betanzos (M.B.) - A cultura é um elemento fundamental tanto na construção da identidade de um país como também é uma ferramenta para o seu desenvolvimento socioeconómico. Sem ir mais longe, é a União Europeia que reconhece, em 2018, este importante valor com a Declaração do Ano Europeu do Património Cultural, seguida da Nova Agenda Europeia para a Cultura no ano seguinte, uma vez que reconhece a sua importância para a coesão territorial e o desenvolvimento sustentável das suas comunidades.

Espanha e Portugal são países com uma longa história que nos enche de orgulho.  E, como vizinhos, às vezes andámos de mãos dadas na nossa evolução, noutras tivemos divergências. Temos as nossas próprias identidades e dinâmicas, claro, mas a nossa proximidade baseia-se num vasto património partilhado em muitas dimensões, e a cultura não é exceção.

As nossas relações são excelentes.

Com esta finalidade, temos instrumentos cada vez mais consolidados, e alguns deles já são uma novidade, como as redes. A Embaixada de Espanha é uma das embaixadas mais antigas da nossa rede no estrangeiro, com um forte âmbito cultural. Temos um Conselho Cultural, que se dedica à promoção das relações culturais. Juntamente com o Conselho temos o Instituto Cervantes, a Câmara de Comércio Hispano-Portuguesa, o Instituto Giner de los Ríos, o primeiro que se criou no estrangeiro, os Departamentos de Espanhol nas Universidades e acaba de ser criada a primeira Cátedra de Estudos Ibéricos na Universidade de Évora. 

É fundamental destacar que a proximidade é um facto que se pode observar todos os dias. Existe um sólido substrato de relações densas não só ao nível dos governos, mas também, e sobretudo, dos nossos cidadãos, o que é maravilhoso. Tudo flui com enorme naturalidade e afinidade.

Por exemplo, a Feira ARCO deu o seu primeiro salto internacional para Lisboa, e já teve cinco edições; a feira emergente JustLX que vem depois, ou a Drawing Room Lisboa em cuja terceira edição tive o prazer de participar na Sociedade Nacional de Belas Artes. Os grandes bancos e as suas Fundações têm também importantes coleções de arte, como a Caixa ou o Santander, que já expuseram em Portugal, e que também financiam projetos culturais.

Patrocinamos dezenas de festivais e actos culturais portugueses que convidam artistas espanhóis no âmbito da sua programação. É impressionante ver a enorme quantidade de festivais e o dinamismo e qualidade das actividades culturais que se realizam em Portugal.

E o nosso Ministério da Cultura organiza desde 2005 a Mostra Espanha, com o apoio do Governo e de várias Câmaras Municipais de Portugal. É um programa bianual de atividades culturais, o que reforça a nossa programação regular. O envolvimento dos nossos parceiros portugueses é verdadeiramente fantástico a todos os níveis. É um verdadeiro prazer trabalhar na dimensão cultural deste país.

G. – O objetivo de promover a internacionalização de diversos criadores, instituições, festivais e indústrias culturais espanholas através de conteúdos digitais é algo que se verifica em alguns programas desenvolvidos pela AECID. Esses mesmos programas estavam pensados para serem aplicandos, ainda antes da pandemia? Ou foram iniciativas adotadas para o desenvolvimento cultural, dada a realidade que temos vivido nos últimos meses?

M.B. - As nossas instituições reconhecem o valor e o potencial dos meios digitais para a divulgação e transmissão da cultura. Embora seja verdade que a crise gerada pela Covid 19 transformou esse potencial numa realidade.

O Museu do Prado, por exemplo, uma das instituições culturais mais importantes de Espanha está a trabalhar na digitalização das suas obras, visitas guiadas no Instagram, os quadros comentados no Facebook, etc., o que o tornou digno do Webby Award, da Academia Internacional das Artes e Ciências, em abril de 2019.

O Programa VENTANA da AECID, no qual está incluído este Programa E-P COLAB 2020, está a ser uma aprendizagem, não só para servir de janela à cultura espanhola, mas também para colocar em contexto as diferentes culturas.

Pela minha parte, gostaria de salientar, mais uma vez, a proximidade física e espiritual entre os nossos países e a nossa presença cultural em Portugal, desta vez com a ajuda da Plataforma Gerador, com uma estratégia mais a longo prazo, criando uma janela para o diálogo cultural, sempre aberta e inclusiva.

G. – No caso de Portugal e Espanha, é urgente pensar no desenvolvimento cultural e nas relações multiculturais que os países vizinhos desempenham entre si?

M.B. - As nossas relações são excelentes como já referi antes, e essa proximidade existe, tudo flui com naturalidade e afinidade.

Os nossos artistas e atores culturais sabem muito bem o que se passa tanto em Espanha como em Portugal. A nível institucional tentamos acompanhar e reforçar esta dinâmica, complementar se possível, os contactos, abrir portas, agir como intermediários para aumentar o fluxo de circulação.

Neste sentido, a urgência é relativa, mas também é verdade, como já referi, que vivemos uma realidade complexa e nova na qual o setor cultural tem sido especialmente afetado e a ação das instituições públicas é agora essencial para a manutenção das nossas indústrias culturais, cuja boa saúde é necessária para que as relações culturais se mantenham e desenvolvam.

Por outro lado, a produção de conteúdos digitais, sem dúvida, facilita e encoraja a rede de criadores não só entre Espanha e Portugal, com toda a nossa diversidade cultural, mas também com artistas de outros países em colaborações multinacionais. Por exemplo, o Programa VENTANA promoveu a rede dos nossos Conselhos Culturais no mundo, que coproduzem e distribuem conteúdo nos respetivos países. O caminho dessas colaborações, só pelo seu impacto sem barreiras, pode ser espetacular.

G. – Recorrendo a um passado de relações com centenas de anos, em cenários diferentes, obviamente, acredita que em ambos os países esse mesmo desenvolvimento poderá ser fruto da diversidade de atividades e ligações, talvez de raiz, que os países têm entre si?

M.B. - Espanha e Portugal são o palco conjunto de um riquíssimo património cultural de origem celta, romana, visigótica, muçulmana... e, claro, existe um património cultural, tangível e intangível, que é o resultado das relações históricas entre ambos os países que nos dá tradições comuns, usos, costumes ou uma gastronomia que entre Espanha e Portugal são mais semelhantes do que em qualquer outro país do mundo. Isso, evidentemente, tem uma influência positiva nas nossas relações culturais, que não poderiam ser entendidas sem a colaboração entre os nossos museus, universidades, escritores, músicos, atores, artistas... muitas vezes baseada no nosso passado comum. A título de exemplo, entre muitas outras, a coprodução da peça Reinar Después de Morir, que as Companhias de Teatro de Almada e Almagro representaram em 2019 e que foi representada em ambos países.

G. – A partilha de uma bagagem de diversas áreas profissionais, na vertente cultural, contribui positivamente para o conhecimento de diferentes artistas a nível internacional. Por exemplo, Fernando Pessoa, José Saramago, são alguns dos nomes que embarcaram numa viagem que se fez realçar em Espanha. E o mesmo se refletiu em Portugal, com Federico García Lorca e Ruán Ramón Jiménez, entre muitos outros.          
Estes “pequenos apontamentos” disciplinares, ou não, podem influenciar no desenvolvimento da cultura do país que os recebe?

M.B. - O objetivo das relações e intercâmbios culturais não é, certamente, outro senão o enriquecimento mútuo dos setores culturais de ambos os países. A vontade não é a de simplesmente extrapolar as ações dos criadores de um para outro país, mas sim enriquecê-las e complementá-las com as contribuições do outro.

Este é o núcleo central do Programa VENTANA da AEICD, que em Portugal se concretizará no programa EP COLAB 2020, que desenvolvemos com o Gerador, no qual todas as atividades se baseiam nesta componente de diálogo entre criadores espanhóis e portugueses. Um programa que ambicionamos transformar num produtivo laboratório de ideias para os nossos criadores, aproveitando o enorme potencial das plataformas digitais para multiplicar e enriquecer a criação de redes, a coprodução e colaboração entre os criadores, atores culturais e instituições de Espanha e Portugal.

E o mesmo sucede com a Mostra Espanha, organizada em Portugal de dois em dois anos pelo Ministério de Cultura y Deporte de Espanha, desde 2005, com o apoio do Governo e de várias Câmaras Municipais de Portugal. É um programa bianual de atividades culturais, o que reforça a nossa programação regular. É multidisciplinar, e em 2019 já chegámos a mais de vinte cidades com mais de 80 atividades. Há referências ao nosso património histórico comum, propostas mais atuais e, claro, também estamos a trabalhar para incluir a dimensão digital.

Ou com o Prémio Luso-Espanhol de Arte e Cultura, que foi criado em 2006 pelos nossos Ministérios da Cultura com uma dotação de 75.000 euros, uma das melhores dotações em Espanha, que apoiamos em partes iguais, para distinguir um autor de dois em dois anos, pensador, criador ou intérprte vivo, e mesmo uma pessoa ou coletivo sem fins lucrativos, que pela sua ação  na área das artes e da cultura, tenha contribuído significativamente para o fortalecimento dos laços entre os dois Estados e para um maior conhecimento recíproco da criação ou do pensamento.

Vale a pena citar como exemplo Pilar del Río, Presidente da Fundação Saramago, na edição de 2017, ou a fadista Mariza, a última vencedora da edição de 2019, que nos ofereceu uma maravilhosa atuação no Mosteiro dos Jerónimos na inauguração da Mostra Espanha.

G. – Atualmente, a colaboração entre os artistas portugueses e espanhóis é algo que se pode revelar importante para o desenvolvimento cultural dos dois países?

M.B. - Esperamos sempre que a colaboração entre artistas e instituições culturais tenha um efeito positivo no desenvolvimento cultural de ambos os lados. Cada intercâmbio é, por si só, enriquecedor e transmissor de valores. Nos últimos anos, são muitos os exemplos de iniciativas culturais conjuntas que influenciaram de forma decisiva o ambiente em que se inseriram. Um dos casos mais relevantes é o da ARCO, que deu o seu primeiro salto internacional para Lisboa, e já teve cinco edições, ou outras feiras de arte como a feira de arte emergente JustLX que veio depois, ou a Drawing Room Lisbon que na área do design, inaugura esta semana a sua terceira edição na Sociedade Nacional de Belas Artes, onde fizemos uma magnífica exposição em 2019 sobre Benjamin Palencia no âmbito da Mostra Espanha 2019.

E no sentido inverso vemos exposições como Soy tu Espejo de Joana Vasconcelos no Museu Guggenheim de Bilbao ou a exposição Pessoa. Todo arte es uma forma de literatura no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia foram verdadeiros marcos para a divulgação da arte e da cultura portuguesas em Espanha.

G. – Em alguns momentos, a Literatura e o Cinema descreviam Portugal e Espanha como países “distantes”, no que competia ao valor cultural ativo da Península.
Considera que este cenário já foi ultrapassado?

M.B. - Embora às vezes ainda se ouça “De Espanha nem bom vento nem bom casamento”, ou aquela ideia de viver de costas voltadas, creio que ambos os países compreenderam o seu passado, vivem um presente de entendimento e trabalham juntos no seu futuro, não só sem desconfianças, mas conscientes dos bens que temos, dos enormes e amplos interesses que partilhamos e do potencial que temos em conjunto.

Dou, como exemplo, as cimeiras bilaterais anuais. Recentemente, na Guarda, no passado dia 10 de outubro, o Instituto Cervantes, o Instituto Camões e o Instituto de Cooperação e da Língua IP, apresentaram uma publicação conjunta da obra La  Proyección Internacional del Español y Portugués: el Potencial de la Proximidad Lingüística, que destaca a posição e o papel estratégico que o espanhol e o português ocupam no mundo atual, as suas perspetivas de crescimento indicando a sua importância como línguas internacionais em dimensões fundamentais da atividade humana como a cultura, a ciência, a educação e a economia, também no campo digital, visto que o espanhol já é a 3ª língua mais usada na internet e nas redes sociais depois do inglês e do chinês, e o português a 5ª língua depois do árabe.

G. – A nível mundial, acredita que a expressão identitária assim como as vivências são a chave cultural que poderá abrir as portas há muito tempo “fechadas” ou “entreabertas” entre os países?

M.B. - A cultura e o património cultural são o reflexo da idiossincrasia, das identidades e do desenvolvimento histórico dos povos e se, como diz o ditado, viajar permite conhecer e abrir a mente. As relações culturais entre os nossos países contribuem para aprofundar ainda mais o nosso conhecimento mútuo, e assim banir definitivamente os tópicos obsoletos sobre o viver de costas voltadas, que no contexto de um mundo cada vez mais globalizado não têm sentido.

Concluindo, a abertura de portas entre os nossos países não só nos permite beneficiar-nos a nós próprios do enriquecimento mútuo e a retroalimentação que proporcionam as frutíferas relações aos nossos setores culturais, como também para toda a esfera Ibero-americana formamos uma potência cultural e linguística que estimulada por umas excelentes relações culturais, podem contribuir de forma fundamental para o desenvolvimento sustentável das nossas comunidades culturais e, portanto, das nossas sociedades.

Texto de Patrícia Silva
Fotografia retirada do site da
Embaixada de Espanha

Se queres ler mais entrevistas sobre a cultura em Portugal, clica aqui.

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