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Palhetas Perdidas: Espaço Nora

“Adeus ó vila de Serpa/ Saudades quem as não tem/ Dentro das tuas muralhas/ Há…

Texto de Redação

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“Adeus ó vila de Serpa/ Saudades quem as não tem/ Dentro das tuas muralhas/ Há uma rosa a quem eu quero bem”.

Tantas foram as ocasiões em que quem aqui escreve visitou o espaço a que é dedicada a crónica desta semana, que de um ponto de vista pessoal, o último verso da estrofe acima citada poderia perfeitamente fazer referência a uma “nora a quem se quer bem”.

Localizado nas traseiras da nora que lhe dá nome, o Espaço Nora é hoje em dia uma referência cultural da cidade de Serpa. Para tal reputação foram um contributo determinante as “Noites na Nora” (NNN), que decorrem no Verão e celebram este ano o seu vigésimo aniversário. Com organização da Companhia de Teatro BAAL17, nestas noites celebra-se “a cultura como uma festa”, sendo abrangida uma pluralidade de áreas artísticas, entre as quais, inevitavelmente, a música.

É precisamente com Rui Ramos e Sandra Serra (director artístico e directora de produção do BAAL17, respectivamente) que falámos, no espaço anexo à própria nora. Se desde a sua criação, em 2000, a BAAL17 “era e é” vocacionada principalmente para o teatro, as “Noites da Nora” foram um dos primeiros projectos a serem levados a cabo por esta associação, tendo começado no mesmo ano da sua génese: “Ao vermos este espaço, na altura abandonado, e toda a mística e encanto que nele haviam, percebemos, desde logo, todo o potencial que aqui tínhamos para criar algo de especial”, confessa Rui, assumindo o carácter interdisciplinar deste “festival que não é um festival”, onde concertos, peças de teatro, tertúlias e residências artísticas se combinam.

No que toca à música, se no início a aposta incidia maioritariamente em artistas da terra, num modelo à base de bilheteira, o sucesso da iniciativa e aumento dos apoios externos, e consequente crescimento do festival, foram tornando possível um investimento mais cirúrgico nos artistas que eram programados. Nesta nova fase, as NNN procuravam um equilíbrio entre músicos consagrados do panorama musical nacional (por lá passaram nomes como Jorge Palma, Simone de Oliveira, Paulo de Carvalho, José Cid, entre muitos outros), e projectos que lá chegavam numa fase inicial, mas cujo potencial já se adivinhava por quem os programava – actuações de bandas como os O’queStrada, em 2002, e Deolinda, em 2007, são bons exemplos disso, e demonstram um trabalho intenso de pesquisa e de procura que, segundo os entrevistados, permitiu ao longo destes 20 anos trazer por preços simbólicos e mais acessíveis uma lista interminável de artistas nacionais.

Com a facilidade em atrair os artistas, pela empatia que era criada desde logo com o espaço, mas também com um público que, sendo exigente, “sabe receber uma banda ou um artista”, os organizadores confessam que o peso que a música foi ganhando acabou por, em certo momento, fugir do controlo. “Não queríamos que isto fosse pura e simplesmente um festival de música”, assume Rui. “Sentíamos que a evolução por esse caminho estava a afastar as NNN do seu conceito inicial, que era dar o protagonismo ao espaço em si, e que esse mesmo espaço estava a desaparecer, de certa forma ofuscado pelas bandas ou artistas que ali actuavam”. É no seguimento deste dilema que é introduzido o conceito dos “Momentos únicos”, no qual a importância passou a recair mais na singularidade de cada espectáculo, e no facto de esses espectáculos acontecerem naquele espaço específico, mais do que no artista/ grupo que actuava. Nesse sentido, refere Sandra que “as pessoas hoje em dia vêm À Nora, e não a um concerto ou peça de teatro específica, mostrando abertura para as diferentes propostas que lhes são apresentadas”.

Uma evolução e um crescimento que estão intimamente ligados ao espírito de celebração da cultura e de reflexão do festival, que, propositadamente, não foi direccionado para as massas. “Queríamos ter um público atento, conhecedor e exigente, e que soubesse respeitar os artistas que estavam em palco”, defende Rui. Para o director artístico do BAAL17, era também importante procurar trazer ao Espaço Nora pessoas de fora da cidade, e não exclusivamente locais. “Hoje em dia temos a casa sempre cheia, com muita gente que vem de diversos pontos do país e mesmo do estrangeiro, de propósito para participar neste encontro”, refere.

Apesar disso, é no entanto importante não dissociar o crescimento das NNN do contexto local em que tal foi acontecendo. Lembrando que os subsídios que recebem “praticamente desde o início”, tanto da autarquia de Serpa como do Ministério da Cultura (DGArtes), se destinam a toda a actividade levada a cabo pela BAAL17 (na qual as NNN se incluem) , Sandra assume que, mesmo sendo curto para todos os projectos que são levados a cabo, o apoio recebido pela associação tem sido vital para o desenvolvimento da sua actividade, e contrasta positivamente com a realidade que se encontra no resto da região do Alentejo.

Desse modo, mesmo estando bem estabelecido o conceito actual, a vontade de querer fazer mais por parte da organização não diminui. O quintal do espaço onde a entrevista decorre, prestes a tornar-se na nova casa da BAAL17, faz parede com o Espaço Nora, pelo que um dos planos para o futuro passa precisamente por derrubar essa mesma parede, de forma a duplicar o espaço onde as NNN decorrem, e aumentar consequentemente a escala do evento. “Se em vez de 150 pessoas conseguirmos aqui ter 400, muita coisa pode mudar”, defende Rui. “Aumentando a dimensão do festival poderão aumentar patrocínios e apoios, o que permitirá não só aumentar a oferta, mas também melhorar as condições que são oferecidas aos artistas.”

Uma coisa é certa, contudo, para os dois entrevistados: o sentido de responsabilidade da parte da organização terá sempre de estar presente, independentemente da dimensão que as NNN atinjam. Tanto Rui como Sandra concordam que as limitações orçamentais levaram a que houvesse desde sempre um maior rigor no planeamento das NNN, e nesse sentido voltam a destacar o trabalho de preparação feito ao longo do ano. “Assim que acaba uma edição estamos já a planear a próxima”, lembra Rui. Hoje em dia, a dinâmica está consolidada, e a exigência em termos de qualidade sobrepôs-se à quantidade de oferta. Por essa razão, um ciclo que antigamente se extendia de Junho a Agosto, no formato actual concentra em 15 dias uma oferta cultural diversificada. “Sendo o orçamento o mesmo já há algum tempo, para subir a qualidade daquilo que era apresentado tivemos de reduzir a quantidade de oferta”, explica o director artístico.

Seja na música ou nas outras artes perfomativas, a procura da novidade é ainda assim um dos grandes critérios presentes na programação que vai sendo feita neste espaço. O gosto pelo trabalho de pesquisa, a vontade de descobrir e, posteriormente, mostrar ao público algo novo e único, são precisamente os motores deste empreendimento, pelo que o termo “laboratório de cultura” não podia fazer mais sentido, à luz daquilo que as Noites na Nora representam no panorama cultural de Serpa.

Até agora o tempo foi dando razão à organização, no sentido em que as apostas, na maior parte dos casos, têm sido ganhas. O sucesso do “festival que não é um festival”, dos projectos que por lá passam, e também a evolução do público das Noites na Nora demonstram que, ao longo destes 20 anos, o trabalho foi bem feito. Que seja para continuar.

Texto de João Espadinha
Fotografia de Fabrice Ziegler, disponível na página de facebook do Espaço Nora

Se queres ler mais crónicas do Palhetas Perdidas, clica aqui.

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