fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Afiar a Língua: o tema da língua chegou à cozinha

Sendo o mote desta edição a doçaria portuguesa, também quis abraçar este tema bem saboroso….

Texto de Ana Salgado

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Sendo o mote desta edição a doçaria portuguesa, também quis abraçar este tema bem saboroso. Não sei se afiaremos tanto a língua como noutras ocasiões, mas o paladar afiaremos de certeza.

A doçaria portuguesa é de uma riqueza extraordinária. Quem consegue resistir a um doce de colher ou a um bolo bem português? É de fazer crescer água na boca, e por isso há quem coma que nem um abade! Mas a gula é pecado… sejamos, pois, moderados. Só que, por vezes, é impossível não comer com os olhos! Conheces esta expressão? Claro que conheces, é bem antiga, do tempo dos romanos, que praticavam uma cerimónia religiosa chamada Silicernium, um ritual fúnebre em que não era permitido comer, apenas olhar em silêncio para o manjar oferecido aos deuses. Comiam com os olhos… O ritual já não se pratica, mas a expressão ficou e um relance pelas fotografias publicadas na reportagem sobre a doçaria bem o comprova. Verdade, não?

Há também alguma doçaria que nos deixa com dúvidas na cabeça. Quando, imaginemos, anotamos uma receita ou queremos referir uma qualquer iguaria. Por exemplo, devemos escrever sericaia ou siricaia? É sericaia, do malaio sricaya. E o bulinhol? Ou será bolinhol? Com u ou com o? Claro que é com o, de bolinho (diminutivo de bolo) + -ol: bolinhol.

Como nos aproximamos da época natalícia, vem-me logo à cabeça o bolo-rei. É bolo que não pode faltar à mesa, se passado para o texto, é sempre escrito com hífen. E há outros vocábulos bem docinhos que também levam hífen! A não esquecer: arroz-doce, leite-creme, ovos-moles, entre outros.

Já pão de ló, bem como muitas designações da doçaria conventual (por exemplo, barrigas de freira ou papos de anjo) são vocábulos que perderam os hífenes com a aplicação da nova ortografia, mas não ficaram por isso menos saborosos. Já a bola de Berlim tem ainda a particularidade de o segundo nome (Berlim) ser grafado com maiúscula por ser um nome próprio, afinal é semelhante à Berliner alemã.

Entre os doces, há plurais que, por vezes, nos fazem hesitar, como, por exemplo, o de bolo-rei já acima mencionado. O plural é bolos-reis. Vamos à regra: geralmente vão para o plural os elementos de uma palavra composta por dois nomes (bolo e rei, no presente caso). Já no caso de pão de ló, um composto formado por um nome (pão), uma preposição (de) e outro nome (ló), só o primeiro elemento vai para o plural. Ah! Uma curiosidade acerca deste vocábulo: o inventor foi um confeiteiro alemão que se chamava Lot, o que parece justificar o ló.

E pisando em território de plurais, terei de deixar uma palavra sobre a questão do plural do vocábulo filhós. Será filhós ou filhoses? Em português, existem duas palavras sinónimas: filhó e filhós. Sendo assim, as duas formas de plural estão corretas, mas é preciso ter em atenção o seguinte: o plural de filhó é filhós (plural em -s); o plural de filhós é filhoses (plural em -es). Apesar de haver muitos linguistas que condenam o uso da forma «filhoses», a verdade é que uma variante reconhecida já há algum tempo. Pois, pois, certamente já terás ouvido: «Não é por aí que vai o gato às filhoses».

E, na realidade, embora celebrando a doçaria portuguesa, por cá também se comem muitos doces vindos de fora. Como isso se reflete na língua portuguesa? Ora, muito bem, pelo uso de estrangeirismos que resistem às propostas de aportuguesamento ou de equivalência. Inspirados pela pastelaria francesa, temos: os croissants (aportuguesamento croassã), os éclairs (aportuguesamento ecler), palmiers (aportuguesamento palmiê); como ingleses, os brownies, o crumble, os muffins, entre outros. Oh, tudo isto acontece, mas nada se sobrepõe a um pastel de Belém, um de Tentúgal, um jesuíta, uma torta de Azeitão, um travesseiro, um guardanapo, uma cornucópia, um tentador pudim abade de Priscos ou toucinho de céu. De pedir e chorar por mais!

Esta crónica do Afiar a Língua saiu na Revista Gerador de novembro, que podes comprar aqui.
Texto de Ana Salgado
Design de Carla Rosado e Hugo Henriques

Se queres ler mais crónicas do Afiar a Língua, clica aqui.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

11 Março 2024

Maternidades

28 Fevereiro 2024

Crise climática – votar não chega

25 Fevereiro 2024

Arquivos privados em Portugal: uma realidade negligenciada

21 Fevereiro 2024

Cristina Branco: da música por engomar

31 Janeiro 2024

Cultura e artes em 2024: as questões essenciais

18 Janeiro 2024

Disco Riscado: Caldo de números à moda nacional

17 Janeiro 2024

O resto é silêncio (revisitando Bernardo Sassetti)

10 Janeiro 2024

O country queer de Orville Peck

29 Dezembro 2023

Na terra dos sonhos mora um piano que afina com a voz de Jorge Palma

25 Dezembro 2023

Dos limites do humor

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Patrimónios Contestados [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Artes Performativas: Estratégias de venda e comunicação de um projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

3 MARÇO 2025

Onde a mina rasga a montanha

Há sete anos, ao mesmo tempo que se tornava Património Agrícola Mundial, pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), o Barroso viu-se no epicentro da corrida europeia pelo lítio, considerado um metal precioso no movimento de descarbonização das sociedades contemporâneas. “Onde a mina rasga a montanha” é uma investigação em 3 partes dedicada à problemática da exploração de lítio em Covas do Barroso.

20 JANEIRO 2025

A letra L da comunidade LGBTQIAP+: os desafios da visibilidade lésbica em Portugal

Para as lésbicas em Portugal, a sua visibilidade é um ato de resistência e de normalização das suas identidades. Contudo, o significado da palavra “lésbica” mudou nos últimos anos e continua a transformar-se.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0