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Opinião de Ana Pinto Coelho

Gritar e sorrir

Nestes tempos em que fomos obrigados a usar uma máscara, perdemos bem mais do que…

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Nestes tempos em que fomos obrigados a usar uma máscara, perdemos bem mais do que oxigénio e facilidade de respiração, já para não falar de óculos embaciados e outras pequenas adversidades como o esquecimento das ditas, o não nos lembrarmos da própria obrigação e isto sem sequer aflorar os exclusivos problemas da percentagem de pessoas que não podem ou não querem usá-las.

Confessemos: não foi fácil para ninguém privarmos os demais das nossas expressões e logo de um momento para o outro. O rosto humano e o seu conjunto (olhos, nariz, boca, rugas de expressão) tem demasiada importância para o quase imediato reconhecimento de alguém e, também, das suas intenções.

A máscara protege, sem sombra de dúvida, mas enclausura-nos num mundo muito fechado sobre nós próprios que nos obriga a um maior esforço na compreensão rápida do que nos é comunicado.

Mas nem tudo é mau.

Num repente, também de um dia para o outro e por causa do seu uso, fomos obrigados a olhar nos olhos de quem nos falava, interpelava ou se cruzava. Há quanto tempo não nos olhávamos nos olhos, sem segundas intenções, apenas pela única necessidade de entender o mais depressa possível o que nos era transmitido ou oferecido? Estávamos sempre entretidos com mais coisas como o meio que nos rodeava, o telemóvel, tanta coisa.

Olhar nos olhos nunca foi fácil. Obriga a determinação e auto-confiança. Há quem a tenha, mas também existem todos os outros, mais tímidos ou temerosos, que nunca se sentiram confortáveis nesse confronto, se é que o posso definir assim sem segundas intenções.

Mas estamos juntos neste novo tempo, na redescoberta de rostos e expressões. Como nos iremos comportar a partir de agora quando estamos com alguém? Aproveitaremos todo o rosto ou vamo-nos voltar a focar no anterior espaço, fosse a boca, a expressão facial ou o franzir do sobreolho?

Esta mudança também faz parte do “regresso ao normal” depois de termos vivido (e ainda o vivemos) o “novo normal”. Sabemos que o uso da máscara vai passar a ser mais usual nos países ocidentais, visto que no oriente sempre foi um cuidado para com os outros e uma responsabilidade comum.

Mas no ocidente, sabemos que cada comportamento é quase sempre olhado de lado, criticado (positiva ou negativamente), observado, apontado. Será que se continuar a usar máscara porque apenas quero continuar a proteger-me da gripe outonal serei vista como uma pessoa de risco, ou que imitarei um sem número de pessoas que preferem continuar a tomar esse extra cuidado aquando da proximidade com outros?

Não é estranho, de repente, que a cedência de um muro social continue a manter paredes invisíveis erguidas por uma sociedade que ainda não entendeu muito bem o que se passou durante estes quase dois anos?

Somos, acima de tudo, funcionais mas também nos deixamos levar por comportamentos de grupo e, se um faz, os restantes imitam. E são esses momentos em que se pode descurar tanto esforço que se fez durante demasiado tempo. Hoje, no momento em que vamos reconquistar liberdades, entre elas o poder deixar de usar uma máscara durante mais tempo, começou uma nova discussão entre aqueles que a vão continuar a usar e os demais que a atirarão para o lixo.

Parece que temos de estar sempre a encontrar um campo de batalha que nos empurra a uma qualquer divisão, mesmo quando o tempo convida exactamente à celebração de muitos de nós termos sobrevivido e ultrapassado um dos piores e mais violentos ataques que a humanidade já sofreu.

Neste momento, o melhor que temos a fazer é ir até a uma floresta e, no meio dela, tirar a máscara e dar um grito, daqueles que nos tiram todo o fôlego, cheio de garra e alegria e depois cheirar o que a terra é, o que também somos. E, finalmente, oferecer-lhe de volta o sorriso que ela merece. O nosso e os daqueles que privaram connosco e que já cá não estão. Todos merecemos isso, não acham?

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre Ana Pinto Coelho-

É a directora e curadora do Festival Mental – Cinema, Artes e Informação, também conselheira e terapeuta em dependências químicas e comportamentais com diploma da Universidade de Oxford nessa área. Anteriormente, a sua vida foi dedicada à comunicação, assessoria de imprensa, e criação de vários projectos na área cultural e empresarial. Começou a trabalhar muito cedo enquanto estudava ao mesmo tempo, licenciou-se em Marketing e Publicidade no IADE após deixar o curso de Direito que frequentou durante dois anos. Foi autora e coordenadora de uma série infanto-juvenil para televisão. É editora de livros e pesquisadora.  Aposta em ajudar os seus pacientes e famílias num consultório em Lisboa, local a que chama Safe Place.

Texto de Ana Pinto Coelho
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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