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Palhetas Perdidas: Hot Clube de Portugal

Dedicar um artigo a uma casa com mais de 70 anos implica, inevitavelmente, assumir que…

Texto de Redação

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Dedicar um artigo a uma casa com mais de 70 anos implica, inevitavelmente, assumir que tal artigo não almeja dar cobertura a toda a sua história (ambição que seria sempre impossível de satisfazer num artigo desta dimensão e formato). A pressão aumenta ainda mais se se tiver em conta a ligação emocional a essa casa por parte de quem aqui escreve, cujo percurso enquanto estudante e músico ficou fortemente marcado pela sua passagem pela Escola de Jazz Luiz Villas-Boas, e, indissociavelmente, pela sua frequência assídua no Hot Clube de Portugal, nas suas diferentes moradas.

No entanto, precisamente pela sua história e por essa mesma ligação pessoal, o Hot Clube não poderia deixar de figurar na lista de venues  que esta rubrica vai coleccionando.  E nesse sentido, se se quer dar uma visão do presente, e estabelecer um comparativo com um passado que não sendo a génese do clube, diz respeito a uma época de 4 décadas anteriores a esta, quem melhor para entrevistar que Luís Hilário, programador do clube e um dos principais responsáveis pelo mesmo nestes últimos quarenta anos?

Tendo começado a frequentar o clube no pós 25 de abril, numa altura em que a sua paixão pelo jazz começava a crescer, Luís integrou pela primeira vez a direcção do Hot Clube ainda na década de 70, após alguns anos de frequência assídua. Já em meados dos anos 80, assumiu juntamente com dois sócios a gestão do espaço, “numa altura a pessoa que estava responsável pelo clube quis sair, e nós aceitámos assumir de forma provisória esse papel”, lembra. Esse vínculo “provisório” acabou por durar até aos dias de hoje no caso de Luís e Fernando Mendes, outro dos sócios, sendo que Luís mantém desde essa altura um papel preponderante na programação do clube, cujo  modus operandi foi mudando gradualmente até aos dias de hoje: “Hoje em dia a regularidade dos concertos é muito maior, e a quantidade de propostas que recebemos aumentou bastante, fruto também do crescimento da comunidade de músicos”, explica, revelando que por vezes o aumento de propostas recebidas complica o próprio processo de programar.

“Pode parecer um contra-senso, mas a verdade é que na altura a oferta mais reduzida de músicos facilitava um pouco a escolha”, confessa. Prática recorrente, por exemplo, nesses anos, era ter um solista a vir de fora para tocar com uma secção rítmica local. “Em grande parte dos casos era basicamente o Cató (Carlos Barretto), o (Bernardo) Sassetti e o Mário Barreiros, embora não fosse sempre assim”, exemplifica. Articulada com este tipo de concertos, muitas vezes com músicos que passavam por Portugal para tocar nos festivais de maior dimensão, mantinha-se na programação uma preponderância de projectos e músicos nacionais, que, na fase inicial em que Luís assumiu esta pasta, incluíam também nomes como Mário Delgado, Jorge Reis, Carlos Vieira, David Gausden, entre muitos outros. Nos dias de hoje, tanto o crescimento da comunidade de músicos, como a maior facilidade para se entrar em contacto com quem programa, proporcionam um maior leque de opções, levando a que se programe quase sempre com 6/7 meses de antecedência, na maior parte dos casos.

Mas as diferenças para essa altura não se resumem a este aspecto: numa actualidade marcada pela globalização e pela facilidade de acesso aos acontecimentos, o clube cresceu bastante a nível de público, tendo hoje uma afluência mais elevada, em grande parte devido ao fenómeno turístico da cidade de Lisboa. Por outro lado, refere Luís, o público actual acaba por ser bastante mais heterogéneo, e facilmente muda de concerto para concerto: “Se anteriormente conhecia a maior parte das pessoas que via no público, ou porque eram músicos da comunidade ou pessoas que vinham ouvir este estilo com alguma regularidade, hoje em dia é muito raro eu conhecer a maioria das pessoas que estão na audiência”.

Para o programador, é precisamente a actualidade de um mundo globalizado, de fácil acesso a tudo, que provoca esta metamorfose no público do Hot. “Anteriormente, um concerto era um acontecimento com outra relevância, uma pessoa tinha de tomar nota na agenda cada vez que havia um artista ou grupo que queria ver”, lembra, acrescentando que “mesmo para se ouvir discos, o acesso era muito mais limitado do que hoje em dia, onde através do streaming o acesso é quase instantâneo”. Nesse sentido, o desafio de corresponder às expectativas de um público mais diversificado é cada vez mais difícil, assume, até porque a sonoridade associada ao jazz é cada vez mais abrangente, e também ela mais difícil de definir.

Interior do Hot Clube de Portugal

No caso dos músicos e membros da comunidade ligada ao jazz, sendo verdade que hoje em dia essa fracção está em grande parte diluída no público globalizado que se referiu anteriormente, é, apesar disso, impossível ignorar o papel importante que tem e teve ao longo da história do clube, tal como o papel que o clube tem no processo de crescimento dos diferentes músicos que por lá passaram. O guitarrista Afonso Pais, referência incontornável dessa mesma comunidade, e ainda hoje frequente assíduo no clube, seja para tocar ou ouvir, é um  bom exemplo desses casos. Tendo optado pelo jazz como estilo para aprofundar a sua relação com a música, fosse pela tradição ligada ao blues do seu instrumento (guitarra) ou pela não existência de uma relação próxima com a música clássica, Afonso ingressou na escola do Hot Clube em meados dos anos 90, chegando a ser aluno quando as aulas ainda decorriam no espaço do clube, durante do dia. “A rotina era relativamente simples: ao final do dia, depois das aulas no clube, jantava-se pela zona e ficava-se por lá para ver qual era a música que acontecia nessa noite no clube”, explica o guitarrista.

Tendo integrado a big band de alunos e sócios, numa fase até relativamente inicial do seu percurso artístico/académico, o guitarrista confessa que foi o contacto com músicos mais experientes dessa mesma big band que o levou às jam sessions do clube, naquele que considera ter sido o passo mais importante  na sua aprendizagem e na sua compreensão “do que é o jazz, de como se toca e como se aprende”. Fosse para a aprendizagem de repertório, o desenvolvimento auditivo ou outros aspectos relevantes para o crescimento de um músico, segundo Afonso “o clube proporcionava uma escola, uma aprendizagem em palco que mais nenhum sítio oferecia”, pela interacção entre as diferentes gerações, e pelo sentido de solidariedade e entreajuda entre músicos de diferentes níveis de experiência, aspectos que o guitarrista destaca como especiais nessas noites, e que marcaram a comunidade dessa altura.

“Hoje em dia, não querendo dizer que isso não acontece, acredito que não acontece tanto como nessa altura, não há uma matriz tão clara de como é que o jazz se ouve e se transmite, e qual o seu lugar no ouvinte, seja ele músico, programador ou público”, defende, considerando que tal é consequência do facto de nem sempre os propósitos e intenções de quem partilha o palco nestes contextos mais informais serem convergentes e se intersectarem, e atribuindo a esta mudança parte das razões para o facto da comunidade se diluir no público mais globalizado dos dias de hoje. “Um público recorrente é consequência de um grupo de pessoas ir regularmente ao clube pelos mesmos motivos”, explica. De um ponto de vista geral, e mesmo concordando que o ritmo acelerado do mundo actual se reflecte na actualidade de uma casa que frequenta desde os anos 90, o guitarrista considera, no entanto, que o clube mantém a sua aura especial e inspiradora para quem lá toca e para quem por lá passa.

Para Luís Hilário, mesmo numa época em que a manutenção da actividade do clube é relativamente mais facilitada pelo aumento de afluência já referido, os desafios inerentes a este tipo de espaços mantêm-se: “Sendo uma associação sem fins lucrativos, o clube não pode, ainda assim ter prejuízo”, lembra o programador, que assume o jogo que tem de ser feito na programação e gestão do clube para atingir o equilíbrio das contas ao final de cada mês (ou do ano), para além do equilíbrio de estéticas musicais também idealizado para a programação.  Assumindo que o espaço actual é cedido pela parte da câmara com uma renda generosa, Luís lembra que o Hot Clube enquanto instituição não recebe quaisquer subsídios financeiros de entidades públicas ou privadas, embora também não deixe de referir que esse problema é transversal a quase todos os países da Europa. Ainda assim, defende e exemplifica as vantagens que um apoio financeiro teria para o clube, dando exemplos de casos em que tal acontece. “A intenção aqui não é, obviamente, de enriquecer ninguém à custa do clube. Poderia sim permitir a quem programa melhorar a oferta cultural, tornar viável a vinda de bandas de fora, poder pagar melhor aos músicos, entre muitas outras coisas”, exemplifica.

Para já, a oferta não deixa de ser significativa e diversificada. Só em outubro são mais de 20 concertos programados no total, sem ter em conta as já referidas jam sessions, onde a música se faz ouvir de maneira espontânea e informal, mas não menos inspiradora. Ainda que seja com o objectivo de ter uma ideia mais completa do clube, e da aura que se sente ao entrar (até porque em jeito de nota pessoal se volta a assumir desde logo que este artigo está longe de ser suficiente para dar uma ideia completa dessa mesma aura), razões não faltarão com certeza para que a visita ao Hot seja feita.

*Texto escrito ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico

Texto de João Espadinha
Fotografias da cortesia do Hot Clube de Portugal

Se queres ler mais crónicas do Palhetas Perdidas, clica aqui.

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