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Podem as redes sociais estar a contribuir para o burnout?

Durante muito tempo, o trabalho árduo tem sido considerado como a principal ferramenta para alcançar o sucesso. A ideia de que o nosso esforço e dedicação determinarão as nossas conquistas é geralmente referida como um dos conselhos mais notáveis para o desenvolvimento profissional. Mas até que ponto será isto um mantra motivacional ou conducente a esgotamento?

Texto de Redação

Cemile Bingol disponível em Istock by Getty Images

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Embora o pensamento tenha surgido como um discurso encorajador, tem-se destacado cada vez mais como uma das principais causas da cultura do trabalho excessivo, ao associar o mérito e a dedicação individual ao motivo da posição social que cada um ocupará. Assumindo, assim, que se não se atingiu o patamar profissional desejado, não se trabalhou o suficiente para alcançá-lo.

A ideologia tem vindo a propagar-se através da “hustle Culture”, traduzida em português para cultura de agitação, um conceito que se refere à mentalidade de que se deve trabalhar constantemente em busca dos objetivos profissionais. Apesar de ser um termo de origem americana, expandiu-se através da música mainstream quando, em muitas das suas letras, rappers e artistas de hip pop associavam o “hustle” à razão por detrás da sua fama e sucesso.

Desde então, o conceito foi adotado pelas redes sociais através de hashtags como “dormir é para os fracos” e “rise and grind”, que contabilizam mais de 4,2 milhões de menções no Instagram. Sob estas hashtags revelam-se posts e stories que exibem a rotina de pessoas percecionadas como produtivas por estarem a cargo de múltiplos projetos, promovendo a crença de que estar perpetuamente ocupado é um critério necessário para a produtividade e o sucesso, na lógica de sacrificar o presente para o futuro.

Ao verificar a relação entre utilizadores do aplicativo WeChat e a probabilidade de vivenciar um esgotamento profissional (burnout), o estudo “The Impact of Social Media Use on Job Burnout: The Role of Social Comparison”, publicado em 2022 pela The National Center for Biotechnology Information, concluiu que as redes sociais têm um papel significativo para a indução do burnout, devido à comparação ascendente e mesmo descendente que decorre do seu uso.

Portugal ocupa o primeiro lugar no risco de burnout na União Europeia de acordo com dados do site inglês Small Business Prices, tendo em conta o índice de felicidade mundial de cada país, o salário médio anual e as horas de trabalho semanais. Num período de aumento de quadros de doença mental, acentuado pelo contexto do confinamento devido à covid-19, os indivíduos entre os 18 e 29 foram os que mais relataram ter tido mais sintomas de burnout em Portugal — 31,8 % na população geral (dados do Instituto Nacional do Centro Ricardo Jorge publicados em outubro de 2020).

Contudo, o burnout transcende o contexto pandémico, pois uma pesquisa de 2021 do site de empregos global Indeed evidencia como os millennials e trabalhadores da geração Z relataram taxas de burnout equivalentes a 47 % e 53 % no período pré-pandemia, levantando a questão de como as redes sociais podem exercer influência sob estes efeitos.

Em conversa com a influencer Lara Moniz, o Gerador procurou perceber o papel que as redes sociais podem ter na agudização da cultura do trabalho excessivo, pois, apesar da implementação de tendências que glorificam a produtividade tóxica como a hustle culture, a natureza competitiva e comparativa das redes sociais tem ainda contribuído significativamente para construir a sensação de que não fazemos o suficiente em comparação à versão da carreira que é exibida por outros, sugerindo a produtividade em detrimento da vida pessoal como a solução para não ficar para trás e otimizar o sucesso.

Segundo a influencer, esta comparação é uma consequência da escalabilidade de informação característica das redes sociais, realçando o facto de que todos os utilizadores podem estar suscetíveis ao efeito comparativo desta tendência mediática, apesar do nível individual de confiança e auto realização. “Considero-me uma pessoa confiante, mas há fases da minha vida em que não estou a ter um dia muito bom e posso estar mais suscetível a fazer comparações [...] Nem todas as pessoas confiantes, nunca se comparam.”

Quando questionada sobre os efeitos de que a exposição a este tipo de conteúdo lhe causou, Lara revelou ter-se sentido muito para trás, desvalorizando o seu percurso em comparação com aquilo com que se depara nas redes sociais e que traduz uma pressão social para produzir.

“Estou feliz por qualquer pessoa que consiga realizar os seus sonhos [...], mas simplesmente tinha a sensação de que ainda tenho um percurso muito grande para percorrer.”

Natacha Torres Silva, psicóloga do projeto Cuida-te +, um programa gratuito de saúde dirigido a jovens entre os 12 e os 25 anos, destacou como este intervalo de idade é significativamente distinguido como um período em que a consciência de que temos de nós é excecionalmente influenciada pelas pessoas que nos cercam. Sendo a hustle culture uma tendência incentivada pela validação refletida em gostos, partilhas e comentários, a consciência de que temos de nós pode ser diretamente influenciada pelo valor que nos é atribuído nas redes sociais, ou seja, da vinculação que é feita entre a produtividade e o nosso sentido de valor.

A psicóloga realçou como esta pressão para produzir, que vem da comparação, é muita das vezes refletida no conceito de trabalhos paralelos (side hustles) — a ideia de que passatempos e outras habilidades alternativas podem gerar profissões, como uma fonte extra de rendimento. Isto porque os side hustles acabam por contribuir significativamente para a glorificação da cultura de agitação, pois tornam cada vez mais difícil separar o trabalho de assuntos pessoais. Visto que são usados para o mesmo fim, inconscientemente acabam por ter a mesma importância do que a profissão central.

Natacha salientou a importância de repartir a nossa rotina de forma equivalente numa faceta mais empreendedora e outra mais serena, despreocupada em praticar ações com algum fim produtivo, de maneira a regular as nossas emoções e, consequentemente, aumentar a produtividade. Os períodos de inatividade ou lazer permitem dar expressão à criatividade. Uma vez que não se prendem a uma rotina ou a uma certa agenda, dão oportunidade à imaginação, contemplação e curiosidade sobre os fatores no meio onde se encontra.

A monetização dos hobbies é muita das vezes motivada pela necessidade de criar modelos de trabalho que concedem uma maior liberdade para momentos de lazer em comparação com a rotina de trabalho convencional. Mas a psicóloga realça que os passatempos precisam de permanecer como momentos de lazer, devido à importância de obter fontes de gratificação que não estejam relacionadas com a produtividade. Pois, quando associados à atividade profissional, assumem uma carga de trabalho, são-lhes atribuídos uma responsabilidade desviando-se da sua natureza recreativa original.

Lara descreve a geração Z através da vontade que têm de revolucionar a forma como encaramos a rotina de trabalho ao aderirem cada vez mais ao conceito de side hustles, como uma forma de obter mais momentos livres, mas a influencer apontou ainda para o facto de como os projetos paralelosexigem a mesma intensidade que o trabalho convencional de forma a tornar-se igualmente rentável.

“Estamos a tentar escapar da produtividade do trabalho das 09h00 às 17h00, com outra forma de produtividade tóxica.”

Ao exercermos outros papéis sociais e atividades recreativas além do título profissional, permitimos que a validação não recaia inteiramente na produtividade, mas que seja uniformemente distribuída entre as diferentes facetas da vida, apontou a psicóloga.

“Posso ser mãe, filha, atleta [...] e se sou muitas coisas, não preciso de me prender a um só título para a minha fonte de validação e gratificação”, Natacha Torres Silva

Ao diversificar os nossos meios de gratificação com hobbies, momentos de lazer e socialização, criamos a oportunidade de reconhecer o valor que exercemos em outros setores da vida além do trabalho. A influencer testemunhou para o fenómeno de que quando o seu senso de autovalidação está uniformemente regulado, não se reflete na sua produtividade.“Quando me sinto valorizada, reconheço o meu valor intrínseco, mesmo que eu falhe em alguma atividade, não associo a minha identidade e valor a ela, então não me afeta tanto”,declarou Lara.

Apesar dos efeitos psicológicos negativos ligados à cultura de agitação, pode ainda impulsionar sintomas físicos como exaustão e perturbações do sono. A psicóloga destacou como a glorificação da cultura de agitação pode até levar a doenças cardiovasculares e ansiedade na forma de sintomas gastrointestinais (dores na barriga ou disenteria), dores ou sensações de aperto no peito, suores, tonturas, salientando assim a importância de atuar contra esta tendência.

“Quanto melhor for a nossa recuperação, melhor produzimos”,reafirmou Liliana Dias, diretora do projeto focado na saúde e bem-estar no meio profissional, Bound Health, tanto no contexto pessoal como organizacional. O Gerador conversou com a profissional de saúde sobre as possíveis soluções para colmatar a pressão induzida pelas redes sociais. Liliana realçou a importância de definir a intencionalidade do uso das mesmas e a necessidade de sermos criteriosos com o tipo de informação que vamos receber, seja quem seguimos, se nos acrescentam valor, se nos fazem sentir bem ou se o conteúdo alinha com o objetivo de uso delineado para a aplicação em questão. Assim, temos a capacidade de reconfigurar o algoritmo de forma a definir a experiência de usar uma determinada rede social.

O perigo de emular as atitudes que são exibidas sob as hashtags que perpetuam esta tendência foi também uma das questões levantadas por Liliana, relembrando que estamos perante uma observação filtrada da realidade. Isto é, sem possibilidade de analisar a fundo como a conduta utilizada para alcançar certos fins se adequa a nós da mesma forma, levando com que as pessoas emulem o lema de estar “inerentemente ocupados” sem considerar o papel dos recursos ao seu dispor e fatores de oportunidade como: experiência prévia, disparidades raciais, assim como capital financeiro, social e académico na conquista das suas aspirações.

“O sucesso é uma construção social histórica [...], a conquista de cada indivíduo remete-se às condições e o período em que ele viveu e como capitalizou os recursos disponíveis da melhor forma”, afirmou Liliana. O percurso deve ser um processo de aprendizagem e adaptação face ao contexto individual, devido à improbabilidade de que as condições que levaram ao sucesso de outrem sejam repetidas.

Em alternativa, definir os nossos objetivos pode ser um passo fundamental para que, mesmo que haja informação que mostre outras visões, consigamos estar centrados no nosso percurso e processo individual de job crafting.

Texto de Maura Francisco

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