A referência titular não tem a ver com galinheiros, nem sequer com o restaurante “O Poleiro” de Lisboa, casa de bem-servir e de bem-comer onde pontificam há largos anos o Sr. Aurélio e o seu irmão. É antes uma chamada de atenção para o poiso cimeiro de quem controla a cozinha, em sua casa ou na indústria hoteleira. O chamado chefe de cozinha, que a tradição gastronómica exige que se chame “Chef”, à francesa.
Crónica com tema oportuno dado o recente falecimento de um dos “papas” do que se convencionou chamar a “nouvelle cuisine”, Paul Bocuse. A caricatura literária - ou em cinema e televisão – do “chef” de cozinha adorna-o com maneirismos de grande senhor, figura mais ou menos intratável que insulta alegremente os subordinados e é propenso a episódios de ira que poderão envolver travessas pelos ares e copos e pratos partidos.
Na cozinha de amadores não se encontra com muita frequência este fenómeno da sobre-eminência do cozinheiro, tal e qual uma “prima-donna” lírica que reclama para si todos os aplausos da audiência beata e cativa.
Na arte profissional já não juro que seja assim. Privei com alguns “chefs” notáveis, portugueses, espanhóis e franceses sobretudo. Alguns serão mais simples e cordatos nas opiniões, outros mais cheios de superioridade intelectual, olhando para os comuns mortais do alto dos seus fogões.
Um grande profissional “chef” de cozinha é hoje em dia um criador que também sabe planear e gerir a grande operação culinária em escala. Deve experimentar a receita que criou e sistematizar a respetiva confeção, para que a mesma receita seja interpretada pelos executantes sempre da mesma forma, com os mesmos ingredientes, tempos de execução, temperos e forma de apresentação (empratamento).
O “queima-cebolas” de fim-de-semana em casa própria é um lobo solitário. E irrita-se se não o deixam sossegado na cozinha a tratar dos seus assuntos. Eu, por exemplo, costumo fechar a porta quando estou a trabalhar. E não é apenas para ir bebendo do vinho dos temperos, como maldosamente fazem constar!
Enquanto o “grande chef” do Ritz de Paris, comandante de uma brigada que nos tempos áureos do Sr. Auguste Escoffier (1846 -1935) teria cerca de 80 pessoas, nunca poderia estar sozinho a cozinhar. Planeia a sós, executa o treino dos pratos com a ajuda dos “sous-chefs”, mas quando toca a servir as 300 refeições diárias tem de estar apoiado por larga quantidade de ajudantes bem treinados.
Esta “brigada” de cozinha tradicional – que hoje muito se discute se continua a ser necessária – era composta pelo “grand chef”, depois os “sous-chefs” e os “chefes de partida”, por vezes chamados “chefs especialistas“ – “chefs” de sopas, de molhos, de assados, de pastelaria, “garde manger” de frios, etc…- e os “commis”, nome que tinham os executantes à beira dos fogões, terminando com uma quantidade apreciável de ajudantes de copa para as lavagens e limpezas do material, sem esquecer os aprendizes e os estagiários em formação.
Existiam ainda mais dois “chefs” importantes: o cozinheiro da “família” que preparava a comida do pessoal, e o “chef tournant” que era o substituto, no caso de algum dos outros “chefs de partida” ter algum problema. Como curiosidade, o nome tradicional do “sous-chef” ou “chefe de partida” que recebia do chefe de sala o pedido do cliente e o anunciava em voz alta à brigada, para início da execução de cada prato, é ainda hoje “Aboyeur” (aquele que ladra).
Nas nossas cozinhas, nos nossos “poleiros”, qual o segredo de uma refeição bem conseguida? Exatamente o mesmo que nas grandes superfícies da restauração: o planeamento antecipado e o treino na execução. A “mise-en-place” é fundamental na preparação da refeição. Consiste em sabermos antecipadamente quais os utensílios e os ingredientes que vamos necessitar e dispor os mesmos em cima da bancada, por ordem de entrada em cena.
Por exemplo, para uma operação tão simples como fritar um belo peixe-espada, já cortado em viés e convenientemente salgado, necessitamos de 4 ou 5 travessas, conforme se utilize (ou não) polme de gema de ovo, por esta ordem: uma travessa onde estão as postas do peixe, outra travessa para a farinha, outra para o ovo, outra ainda para escorrer o óleo em demasia quando as postas saem da frigideira (esta deve ser forrada a papel absorvente que se muda várias vezes) e finalmente a travessa de serviço à mesa.
Quando se antecipa uma refeição em nossa casa para pessoas com que mantemos alguma cerimónia, ou para ocasiões especiais, é aconselhável treinar antes a execução dos mesmos pratos, em família ou com amigos chegados. A prudência aconselha ainda a termos sempre de reserva mais uma garrafa de vinho branco ou de tinto do que as que se consideram ser suficientes. Se achamos que chegam 2 de branco e 3 de tinto (para seis pessoas), compremos sempre mais uma de cada.
Pode acontecer alguma garrafa ter defeito, como o “cheiro a bafio” correspondente à rolha de cortiça estar contaminada com um fungo, e este defeito não tem solução. Deitem fora a garrafa ou levem-na onde a compraram, para substituição. Por último, um aviso para o serviço dos vinhos: Tenham sempre o vinho à temperatura recomendada. E invistam na compra de copos adequados. Um grande vinho dentro de uns matacões lapidados de cor forte é uma enorme tristeza…
Este é um assunto tão importante que lhe dedicaremos uma crónica futura.
Manuel Luar