A melhor anedota de cariz histórico sobre o vinho da Madeira tem (como tantas coisas ligadas ao mundo dos vinhos em Portugal) um cheirinho britânico. De facto, o primeiro transporte de Vinho “Madeira” terá sido feito em 1456, ainda não eram passados quarenta anos sobre a descoberta do arquipélago. E para onde foi este lote de vinho? Foi para Inglaterra.
Nestes séculos de amor inglês pelo “Madeira” releva-se a “estória” (mais ou menos apócrifa) da execução por traição do Duque de Clarence, irmão de Edward IV de Inglaterra, que por ser da família real pôde escolher como morreria: supostamente escolheu morrer afogado num barril de Madeira, casta malvasia, em 1478.
Também é conhecida a história (esta bem factual) da celebração da independência dos Estados Unidos, em 1776, que foi comemorada com um brinde de Vinho “Madeira”, dado que George Washington e Thomas Jefferson eram conhecedores e grandes apreciadores daquele néctar. Desenvolvido o processo de envelhecimento pelo método da “estufagem”, pensa-se que no século XVIII, as características mais importantes daquilo que hoje conhecemos como Vinho “Madeira” começaram a solidificar-se a partir dessa data.
A vinha é plantada em declives muito acentuados, regada parcimoniosamente com água conduzida pelas “levadas”, sendo predominante ainda hoje a condução pelo método das “latadas”. Ressalva-se a região norte da ilha, onde os “balseiros” são mais utilizados. “Balseiros” são vinhas penduradas em árvores de porte, ou em estacas aramadas, a chamada “vinha em pé”. Face a estes condicionalismos, sobretudo pelo acidentado do terreno, a vindima é quase 100% manual.
As castas mais utilizadas são, da mais “seca” para a mais “doce”, Cercial, Verdelho, Bual, Malvasia. A mais antiga é esta última, com fama de ter sido introduzida na ilha ainda pelo Infante D. Henrique, que a teria mandado buscar a Creta. Existem ainda a Terrantez, que faz vinhos excecionais e raros , e a Tinta Negra, que é uma espécie de “pau para toda a obra” na viticultura local.
Feita a seleção do tipo de uvas, de acordo com o tipo de vinho que se pretende obter, o mosto resultante da prensagem é sujeito a fermentação e posterior fortificação. O processo de fortificação consiste na paragem da fermentação com a adição de aguardente vínica a 96% vol. A escolha do momento da interrupção da fermentação faz-se de acordo com o grau de doçura pretendido para o vinho.
Findo este processo, os vinhos podem ser submetidos a um dos dois processos de envelhecimento: “Estufagem” ou “Canteiro”.
São os vinhos de “canteiro” que proporcionam a melhor qualidade. Os vinhos selecionados para estágio em «canteiro» - colocando-se as pipas sob suportes de traves de madeira, chamadas “canteiros” - são envelhecidos nos pisos mais elevados dos armazéns, onde as temperaturas são mais elevadas, pelo período mínimo de 2 anos. Trata-se de um envelhecimento oxidativo em casco, que permite obter características únicas de aromas intensos e complexos.
Um grande Terrantez de canteiro, mesmo relativamente novo, pode custar quase 200 euros. Por exemplo, o Blandy’s Terrantez Madeira de 1976, de enorme qualidade!
Mas devido às características deste vinho muito especial, a longevidade é inaudita. Ainda hoje se conseguem facilmente encontrar garrafas do século XIX, variando os preços entre os 600 euros e os milhares de euros.
Para concluir recordo que uma garrafa de vinho da Madeira de 1715, que se acredita ser a mais antiga de que há registo, foi vendida em Manhattan pela casa de leilões Christie’s. Tratava-se de um Terrantez JCA & CA-Kassab, que rendeu 26.950 dólares, tornando-se assim na mais cara garrafa de vinho da Madeira de todos os tempos.
Manuel Luar