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O Credencialismo

A Marta trabalha desde bastante nova na Companhia Nacional de Energia. Teve uma oportunidade que…

Opinião de Tiago Sigorelho

©David Cachopo

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A Marta trabalha desde bastante nova na Companhia Nacional de Energia. Teve uma oportunidade que quis aproveitar quando tinha pouco mais de 19 anos. Dezassete anos depois é considerada uma pessoa competente, criativa, em que todos na Companhia confiam.

A Rita terminou a sua licenciatura e entrou, logo de seguida, no mesmo departamento da Marta. Foi uma excelente estudante, com uma média elevada, e tem aproveitado bem estes três anos em que está na Companhia para aprender o máximo possível, principalmente com a Marta, a pessoa mais experiente da equipa.

Nos próximos meses a Companhia terá de encontrar um substituto para a Antónia, a pessoa que lidera o departamento praticamente desde o seu início. Chegou a altura de se reformar e aproveitar um pouco mais a sua vida pessoal. A Administração já anunciou que pretende nomear alguém da própria equipa para essa posição. E apesar de todos reconhecerem a enorme importância da Marta, a opção final inclina-se para a Rita. A razão é simples: é difícil para a Companhia ter uma Directora sem ensino superior.

O credencialismo é a tendência para a sobrevalorização dos diplomas em detrimento do verdadeiro conhecimento. É algo que está muito presente nas sociedades ocidentais, principalmente desde que a escolaridade obrigatória estacionou junto do ensino superior, mas que em Portugal assume características mais distintivas.

Fruto da baixa escolaridade média da população até final do século passado, a representação social de quem tem ensino superior é extraordinariamente proeminente, funcionando quase como um ritual formal em que se separa o trigo do joio. Mal se acede a um diploma, parece que todo um novo universo se abre e salta-se imediatamente, por magia, de um papel secundário para protagonista.

Não há melhor forma de corporizar este excesso do que o uso inusitado dos famosos Dr. e Eng. A automática caracterização das pessoas com ensino superior com um título que precede o nome, como se de um cavaleiro se tratasse, é um trejeito que ainda está bem impregnado na sociedade portuguesa.

O problema maior está, no entanto, nas consequências objectivas do credencialismo no emprego. Começa na exigência de uma licenciatura para uma entrevista e vai até à dificuldade de afirmação interna numa determinada organização, como é o caso da Marta. Mas não só. Em muitos departamentos do Estado, e em inúmeras empresas, está regulamentado que duas pessoas que fazem exatamente o mesmo trabalho têm direito a remunerações distintas, em função de possuírem, ou não, um diploma de ensino universitário.

Para além de ser um acto discriminatório, esta confiança exagerada nos títulos, desvaloriza dois importantes factores de uma sociedade moderna: a vontade de aprender constantemente, que raras vezes é feita através de educação formal, mas sim através de ferramentas de auto-conhecimento; e a experiência, crítica para ter uma noção completa das oportunidades e adversidades de uma determinada área de trabalho ou conhecimento.

O credencialismo amplifica a desigualdade entre as pessoas, privilegiando a burocracia à prática, pondo, instantaneamente, um conjunto muito importante de pessoas à margem de funções determinantes.

A minha esperança reside na desejada alteração do modelo de educação, a tal que vai estimular o estudo ao longo da vida, em vez de mantermos esta ultrapassada lógica de um tempo para estudar, seguido de um tempo para trabalhar. Quando a procura constante de conhecimento for o paradigma aceite, o credencialismo morre. Mas cheira-me que ainda faltam uns anos.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre Tiago Sigorelho-

Formado em comunicação empresarial, esteve ligado durante 15 anos ao setor das telecomunicações, onde chegou a Diretor de Estratégia de Marca do Grupo PT, com responsabilidades das marcas nacionais e internacionais e da investigação e estudos de mercado. Em 2014 criou o Gerador e tem sido o presidente da direção desde a sua fundação. Tem continuamente criado novas iniciativas relevantes para aproximar as pessoas à cultura, arte, jornalismo e educação, como a Revista Gerador, o Trampolim Gerador, o Barómetro da Cultura, o Festival Descobre o Teu Interior, a Ignição Gerador ou o Festival Cidades Resilientes. Nos últimos 10 anos tem sido convidado regularmente para ensinar num conjunto de escolas e universidades do país e já publicou mais de 50 textos na sua coluna quinzenal no site Gerador, abordando os principais temas relacionados com o progresso da sociedade.

A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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