“Amor Veneris — Viagem ao Prazer Sexual Feminino” é a primeira exposição do Musex — o Museu Pedagógico do Sexo, idealizado por Marta Crawfort, desde 2010, como um museu que pudesse ser visitado por todas as pessoas, de todas as idades. Marta frisa ainda que, nesta exposição, “não estamos a falar de um modelo único de mulher, mas sim dos vários corpos — andrógenos, intersexo”, entre outros. Não existindo ainda um espaço físico e formal para o Musex, este conceito inaugura-se com uma primeira exposição, acolhida pelo Município de Oeiras no Palácio Anjos, a que se deu o nome de “Amor Veneris”, focando-se na temática do prazer sexual feminino.
“Amor Veneris, vel Dulcedo Appelletur” foi o termo utilizado pelo anatomista Matteo Realdo Colombo, em 1579, para classificar o clitóris, fazendo notar o seu papel no prazer sexual feminino. Sendo este o “órgão de excelência do prazer sexual feminino”, para mulheres com vulva, e o “único órgão sexual feminino que tem como função única dar prazer sexual”, apesar de ainda hoje os livros terem pouca informação sobre o mesmo, como explicou Marta Crawford na conferência de imprensa sobre a exposição no passado dia 23 de junho, a proposta da mesma é enaltecer o tema Amor Veneris através duma perspetiva artística e científica, promovendo uma experiência pedagógica, provocadora e irreverente. Desta forma, a exposição visa questionar e mobilizar para a importância do prazer sexual feminino e do seu entendimento, recorrendo a temas como o consentimento e o não consentimento, a violência sexual sobre as mulheres, a resposta sexual feminina, entre outros conceitos.
Ao entrar na exposição, a pessoa que a visita é, desde logo, convidada a fazer uma escolha: entrar na exposição com consentimento ou sem consentimento — uma provocação que alerta, desde logo, para a “importância de os encontros sexuais serem feitos com consentimento”, explica Marta. Escolhido o percurso do Sem Consentimento, tem-se acesso a uma área que reporta a violência exercida contra as mulheres, como a violação, o assédio, a mutilação genital feminina, o tráfico de mulheres ou a escravatura sexual em situações de guerra. Neste núcleo, encontramos obras de artistas como Paula Rego ou Ana Rocha de Sousa.
No núcleo do Com Consentimento, seguimos uma viagem ao prazer sexual feminino que se percorre através de três órgãos: o cérebro, a pele e o clitóris. O primeiro, por ser o órgão que nos permite ter memórias, fantasia, sentidos e que releva a nossa edução e contexto familiar, que podem influenciar a forma como se vive a sexualidade. A pele, por ser “o maior órgão sexual com cerca de 2 metros quadrados”. O clitóris, anteriormente referido, conta nomeadamente com a presença de um clitóris ativista de Julia Pietri — Gang du clito, e uma sala dedicada à cliteracia [literacia sobre o clitóris]. O percurso da exposição com consentimento termina com uma “experiência orgásmica”, criada pelos Error-43, que recria o que acontece fisicamente no momento do orgasmo.
A idealização e concretização do espaço da exposição ficou a cargo d’Os Espacialistas que desenvolveram a ideia de um “corpo que é visitável, habitável e percorrível” trazendo a consciência acerca de binómios como o eu e o outro, o corpo e o espaço, o público e o privado.
Para além das e dos artistas já mencionados, encontramos ainda obras de Alice Geirinhas, Álvaro Leite Siza, Ana Mendieta, Ana Rito, Annete Messager, Clara Menéres, Ernesto de Sousa, Fátima Mendonça, Fernanda Fragateiro, Inês Norton, Isabel Baraona, Jamie McCartney, Janine Antoni, Julião Sarmento, Laure Prouvost, Louise Bourgeois, Lourdes Castro, Maria Beatriz, Maria Souto de Moura, Marta María Perez, Noé Sendas, Polly Nor, Sara Maia, Sophia Wallace, Sue Williams, Susana Mendes da Silva, Teresa Crawford Cabral, Ana Pérez-Quiroga e Cláudia Camacho. Existem ainda conteúdos audiovisuais de autoras e autores como Lori Malépart-Traversy, Rachel E. Gross, Rankin & Trisha Ward, Daphné Leblond & Lisa Billuart e Erika Lust. “Estou em crer que, com a escolha destes artistas nacionais e internacionais, estamos com um conjunto de nomes que me fazem estar bastante confortável com todo o cariz internacional onde se pode levar este tema, abraçando a arte contemporânea”, avança a curadora Fabrícia Valente, na mesma conferência de imprensa.
“Construir uma curadoria prossupõe criar narrativas, mas procurámos que a narrativa nesta exposição não fosse, de todo, encerrada, fechada, mas sim que permitisse muitas camadas e possibilidades de interpretação. Trabalhar com arte contemporânea permite que o espectador tenha, também ele, um papel ativo e, se a exposição começa com uma escolha, ela está logo do vosso lado. [...]Espero que esta experiência seja proveitosa para vós, mas, sobretudo, que vos traga, não só certezas, mas inquietudes, perguntas. Que vos traga a possibilidade de entender que a possibilidade de olhar para um universo como este não é preto no branco, mas sim a ideia de ser uma multipluralidade de discursos em simultâneo que podem fazer com que o entendimento do que o que é o prazer, para mim, possa ser diferente para cada um de vós, portanto, as escolhas são diversas e nem sempre óbvias”, procurando “fugir aos cânones e ser o mais plural possível”, explana Fabrícia.
Dentro do palácio estará ainda a Associação para o Planeamento da Família (APF), permitindo a qualquer pessoa ter uma consulta de sexologia e/ou planeamento familiar. A par da exposição fixa, existirá ainda uma programação paralela, a cargo da Associação Cultural Gerador, que conta com oficinas do prazer, performances ao final da tarde, conversas e domingos para as famílias, cujos detalhes estão ainda por anunciar.
Isaltino Morais, presidente da Câmara Municipal de Oeiras, partilhou, na conferência de imprensa, que a decisão de acolher esta exposição foi um risco “perante os preconceitos da sociedade” e, também por isso, embora a proposta inicial de Marta Crawford fosse a construção de um museu pedagógico do sexo, decidiu-se avançar com uma exposição, e que, mediante dos resultados da mesma, será avaliada a possibilidade de concretizar um espaço físico para o Musex.
A exposição patente no Palácio Anjos, em Algés, abre portas de terça a quinta-feira e aos domingos, entre as 11h e as 19h, e às sextas, sábados e feriados entre as 11h e as 20h. “Amor Veneris” pode ser visitada entre 25 de junho e 30 de dezembro de 2022.