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Bem Comer: Encontros Inesquecíveis nº 8

Hesitei se deveria ou não recordar aqui este comentário gastronómico que escrevi em notas sintéticas…

Texto de Andreia Monteiro

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Hesitei se deveria ou não recordar aqui este comentário gastronómico que escrevi em notas sintéticas no ano de 1995.

Há casas de restauração de altíssimo nível, mas mal preparadas para as enchentes de público e que se têm dado menos bem por causa da invulgar afluência e da pressão sobre a cozinha e sobre o serviço.

Quando tal acontece, quando o número de clientes começa a ser demasiado para a formatação da cozinha e da sala, algumas tentam mudar a “visão” dos fundadores, que lhes granjeou o sucesso, para outros caminhos mais modernos e mais rápidos.

Raramente essa metamorfose tem bons resultados.

Anseia-se por criar condições que permitam maior rapidez no despachar dos clientes e na rotação das mesas, utilizando formas de confeção mais aligeiradas. E obviamente que ocupando espaços mais amplos do que os da matriz original.

A “memória de hoje” tem por assunto um jantar já um pouco fora de horas na antiga “Taverna do Valentim” na cidade de Viana do Castelo.

Há mais de 80 anos na posse da mesma família, e que muito honrava a gastronomia local com uma oferta honesta de peixe fresco, muitas vezes grelhado mas também (e aqui é que bate o ponto) nas suas variações de magníficos arrozes caldosos e de caldeiradas.

Para lá chegar não era fácil. Sobretudo se, como foi o caso, fizéssemos o trajeto numa noite de chuva intensa.

Começara a caminhada nos Correios de Viana, na antiga estação central da Avenida dos Combatentes. A uns 100 metros, pela direita, encontramos a famosa e antiga rua pedonal Manuel Espregueira, onde se albergava grande parte do comércio local.

Ao longo dessa rua damos com o largo de São Domingos. Por ali tomava-se a rua Góis Pinho e virando mais à frente chegamos finalmente à rua Monsenhor Daniel Machado, pequena viela que nos lembra a Mouraria (para quem é de Lisboa).

Sensivelmente a meio da vereda em causa, à direita, encontrava-se uma discreta e pequena porta verde com janela da mesma cor e pequeno letreiro indicador que era ali a "Taverna do Valentim".

Digo “encontrava-se” porque o restaurante em causa mudou em 2011 para o largo da feira, avenida Campo do Castelo nº 45. Que é ali perto.

Taverna pequena (daí o introito desta crónica) e que era gerida pelos proprietários como se fosse uma extensão da sua casa, uma espécie de pensão familiar onde todos os hóspedes se conhecem de ginjeira. E peixe, praticamente só peixe. Fresco como o mar o dá!

Recordo que chegámos (éramos dois) encharcados e esfomeados. Na viagem para Viana mal se tinha parado para comer uma sandes na beira da estrada, com a pressa de chegar a horas para uma reunião na tarde desse dia.

Ao empurrar a porta não estava ninguém na sala. Sala é eufemismo. Era um corredor de granito que com alguma aflição lá conseguia albergar as mesas.

À espera do pior só sossegámos quando ouvimos restolho por detrás do balcão de pedra que separava o “cenário das operações” da zona de consumo.

A conversa que se seguiu foi “à pescador”. Não juro que factualmente tenha sido mesmo assim como aqui transmito, mas o sentido foi esse:

-“Já ia fechar. Numa noite destas e com a chuva não aparece ninguém…”

- “E não se pode arranjar alguma coisa?”

- “O carvão já está apagado. Não me venham para aqui pedir grelhados!”

- “E então?”

- “Se quiserem esperar posso fazer uma caldeirada. E enquanto esperam vão bebendo! Já aí ponho alguma coisa na mesa”.

A “alguma coisa” foram petingas fritas, carapaus de escabeche e fígado de tamboril em cebolada. Tudo muito bom. O vinho era Alvarinho. Excelente, de um produtor de Monção que era cliente da taverna e que dispensava as garrafas sem rótulo para se poderem ali vender como vinho da casa.

E uma horita depois (ou assim me pareceu dado o aguilhão da fome) ali comi a melhor caldeirada que já passou por esta garganta! Tinha tamboril, raia, congro, cherne e corvina.

Com duas garrafas daquele alvarinho - o tempo de espera foi longo e cada um de nós bebeu a sua garrafita – com dois cafés e sem sobremesa porque já não havia espaço dada a dimensão do tacho e das entradas, dois viandantes pagaram nessa noite a enormidade de 1100 escudos (um pouco mais do que 5 euros).

Nota: a Taverna do Valentim ainda existe em Viana, no local já referido (avenida Campo do Castelo nº 45). A mão de tacho e panela já não é a mesma (que saudades). Os peixes continuam a ser frescos e do dia. Os grelhados recomendam-se. Mas falta a mística daquele pequeno corredor de granito onde se faziam milagres e se tratava o cliente como se fosse da família.

Texto de Manuel Luar
Ilustração de Priscilla Ballarin

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