Leitor, na nossa primeira conversa escrevi-te sobre os títulos dos livros, lembras-te? Ora, Mário de Carvalho é outro perfeito exemplo dessa arte de sedução. E ser escritor, leitor? Já pensaste nisso? A propósito, se responderes afirmativamente, convido-te a visualizares este vídeo com as palavras de Charles Bukowski.
O livro que te mostro hoje é um guia prático de escrita de ficção. Importa dizer que Mário de Carvalho não se limita a apresentar-nos regras, nem ousa ombrear com a ciência e com a academia. Essa desresponsabilização (no bom sentido do termo) deu-lhe espaço para poder criar um tom descontraído e sério.
A minha leitura foi sempre acompanhada pela ideia de que vivem muitos livros dentro deste. E isso é maravilhoso. As referências do autor são imensas, carregadas de utilidade e pertinência. Fazemos uma viagem (obrigatória) pela Poética de Aristóteles, damos a volta à rotunda e encontramos José Cardoso Pires, paramos no semáforo e lá está Camilo Castelo Branco, Jorge de Sena, Fernando Pessoa, Vergílio Ferreira, Eça de Queirós. E ainda temos tempo para visitarmos os nossos amigos escritores russos. Portanto, soa-nos na cabeça a velha máxima: aprender com os melhores.
No entanto, também se aprende muito com os piores: “Há quem diga que com os livros maus se aprende mais do que com os bons”, citando Mário de Carvalho.
Há uma mensagem fundamental dentro de cada página do texto: devemos escrever. E ler, ler muito. Diria que esses são dois mundos que dependerão sempre um do outro. Já existe de tudo, é verdade, Mário de Carvalho também o refere. No entanto, a minha, a tua, a nossa forma de olhar, de sentir, de experienciar, será sempre própria e única por isso.
“Proponho ao jovem escritor um exercício que não custa muito a fazer: tentar ver com outros olhos as coisas à nossa volta, a que estamos tão acostumados. Aquele quadro que está pendurado há anos, o livro a escorregar na estante, os gestos do empregado que nos serve o café, o friso de azulejos já muito tisnado na cornija dum prédio.”
Quem diz o contrário não tem sempre razão. Mas o que é a razão? E a verdade, o que é? São perspectivas. A minha verdade é esta: faz falta quem olhe o mundo de outro ângulo, faz falta quem contrarie as ideias já vincadas e embriagadas de razão.
Deixo aqui esta citação, do diálogo de Álvaro de Campos com Alberto Caeiro, que acho encantadora e que também se pode encontrar neste livro:
"(...) Toda a coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos."
Por isso, escreva-se sempre como se fosse a primeira vez, leia-se sempre como se fosse a primeira vez. É que, efectivamente, será mesmo.
Dário Moreira