Levamos a vida demasiado a sério. Não é que a mesma não seja importante, ou que sequer possa ser desvalorizada. Com tanto ruído, não ouvimos os nossos instintos ou pensamentos, caímos numa rede de julgamentos, e pensamos que deve existir algo de errado que estamos a fazer, para sermos julgados constantemente. Temos um medo do futuro incontrolável, e achamos que devíamos ter tantas certezas na vida como tínhamos antes da pandemia. Levamos tudo tão a sério, que a vida se torna pesada e por fim insuportável.
Existem determinados assuntos que são de extrema importância. Que devem ser conversados. Mas a conversa pode ser tida com um copo de vinho na mão e uma boa comida a acompanhar. Parece que nos queremos martirizar constantemente por aquilo que acontece de errado no mundo. Como se aqueles que passam pelas maiores atrocidades conhecidas, já não se martirizassem o suficiente. Como se ser vítima, fosse o pináculo do sofrimento, onde se centraliza a atenção, esquecendo que ser vítima não é uma condição mas sim uma situação. Esvaziamos essa situação quando a tornamos condição.
Já não sabemos ser nem estar. Somos produto das decisões tomadas por aqueles que nem o nome sabemos. Festejamos uma réstia de autonomia e independência que já não existe, porque a nossa liberdade é mais controlada que o próprio Palácio Nacional de Belém. É irónico que na nossa pequena vida insignificante, levamos demasiado a sério, tudo aquilo que não controlamos. Somos uma migalha, mas queremos poder dizer que fomos nós quem fez o pão. É preciso navegarmos na leveza da vida.
A leveza que vem das pequenas coisas que nos surpreendem, das vitórias diárias que nem sempre compartilhamos com outras pessoas. A leveza que sentimos ao sair de uma consulta de psicologia, porque depositamos todo o peso emocional no terapeuta. Falo de uma leveza que para muitos é desconhecida, mas que ajuda a que vida seja mais suportável e portanto menos pesada. Como explicarias a tua vida a uma criança?
A tua vida deve ser tão séria quanto a explicação que deste. Não é a vida que é infantil, é a forma como a interpretamos. Porque é essa interpretação, nostálgica, embelezada, esperançosa, quase irrealista, que nos faz viver de forma leve. Tanto filósofo procurou descobrir o sentido da vida, de uma forma tão complexa, que muitos nunca terão acesso às suas descobertas. Mas eu descobri, que quando conto a minha vida a uma criança imaginária, os problemas não são tão problemáticos, as felicidades são mais felizes do que na sua forma natural, e aquilo que parecia extremamente sério, tornou-se simples e leve. É que a criança não sabe o que é levar a vida a sério, porque a infância tem o poder da imaginação.
Imaginamos assim um mundo sem racismo, um mundo sem guerra, um mundo sem armas.. Imaginamos como seria o mundo em que gostaríamos de viver, mas para além de imaginarmos, acreditamos que esse mundo existe. Não nos iludimos. Mas focamos no que queremos. Focamos na leveza do ser que nos irá levar a um espaço mais agradável de viver. Hoje em dia, muitos psicólogos se questionam como poderiam as pessoas ter saúde mental no meio de tanta tragédia? Talvez a pergunta seja, como podemos nós encontrar beleza no meio de tanta tragédia? O mau só e mau, porque existe o bom, o mesmo podemos dizer da beleza. Para ser belo tem que existir feio.
Algures, se não mergulharmos na escuridão e não nos queixarmos de nela nadarmos, talvez a gente se deixe levar até à superfície, onde a luz estará sempre presente. Mas para os corpos não afundarem, é necessário que se tornem leves, para que possam flutuar.
-Sobre Mafalda Fernandes-
Nascida e criada no Porto, filha de pais brancos e irmã de mulheres negras. Formada em Psicologia Social, o estudo e pensamento sobre problemas sociais relacionados ao racismo, são a sua maior paixão. Criou o @quotidianodeumanegra, página de Instagram onde expressa as suas inquietudes. Usa o ecoturismo como forma de criar consciência anti-racista na sociedade. Fã de Legos, livros e amizades, vive pela honestidade e pelo conhecimento.