Na última crónica escrevi sobre as diferentes visões de ecologia e sobre como a direita, numa deriva em direção a um negacionismo ecológico cada vez mais próximo do trumpismo, tem experimentado uma estratégia “atrasista”. Nesta estratégia, ensaia-se um discurso que, não negando ainda completamente a realidade das alterações climáticas e a responsabilidade do ser humano, defende um atrasar (ou mesmo a rejeição) de várias medidas, não porque o problema não exista, mas antes porque a solução, segundo esta linha de argumentação, teria um impacto inaceitável a nível económico. Com o discurso negacionista reservado para a extrema-direita, sobra à direita uma estratégia de polarização da ecologia, apresentando os ecologistas como terroristas e um perigo para a ordem democrática. Pelo caminho, esta polarização vai trilhando o caminho para eventuais coligações entre a direita e a extrema-direita.
No editorial do último número do Green European Journal, dedicado precisamente às reorganizações políticas em curso fruto das novas divisões a nível ambiental, lê-se que o “desafio já não é convencer a sociedade que algo precisa de mudar”, uma vez que “esse esforço foi já bem sucedido”; a questão estaria portanto no como exatamente levar a cabo essas mudanças. E é aí que tudo se jogará.
É possível, provável até, que a ecologia esteja no centro da campanha nas próximas eleições europeias. Esta é uma previsão relativamente pouco arriscada tendo em conta não só a atenção que uma cada vez maior parte da população presta às ditas questões ambientais mas, e talvez sobretudo, pela não negligenciável possibilidade de a campanha se fazer durante um qualquer evento extremo associado às alterações climáticas. Em Portugal, arriscamo-nos a ir a votos durante um novo pico de calor, durante cheias em qualquer cidade do país ou, talvez o mais provável, durante um período de intensos fogos florestais.
Mas mais: a temática ecológica poderá ser aquela que unirá uma parte da direita à extrema direita. Veja-se, por exemplo, como votaram os diferentes países europeus a proposta de lei da Restauração da Natureza: os únicos cinco votos contra foram dos Países Baixos, da Polónia, de Itália e da Suécia e Finlândia, estes dois últimos com governos nos quais a extrema direita entrou recentemente pelas mãos da direita. Também em Espanha os acordos entre o PP e o Vox se fazem (entre outros) sob o signo da anti-ecologia.
Voltemos à polarização. Não sendo possível esconder os impactos cada vez mais concretos das alterações climáticas, a direita concentrar-se-á cada vez mais no ataque aos ecologistas. Não se podendo atacar a mensagem, ataca-se o mensageiro. O exemplo mais paradigmático desta estratégia verifica-se em França, onde o governo decidiu recentemente dissolver o movimento “Soulèvements de la Terre”, naquilo em que pode ser visto como um “contrassenso histórico”. Ora, este contrassenso explica-se bem à luz desta necessidade de apresentar os ecologistas como prototerroristas, ganhando assim a opinião pública. Tal como Cassandra, condenamos ao descrédito aqueles que nos alertam para o futuro como consequência das nossas ações.
A acusação de sabotagem aparece repetidas vezes no texto do conselho de ministros francês que deu origem à dissolução do movimento “Soulèvements de la Terre”. Tal não surpreende, tamanha é a força psicológica que a ideia de sabotagem transmite à opinião pública. Já em 2015 foi precisamente por ter apelado à “sabotagem” do projeto de ligação ferroviária de alta velocidade entre Turim e Lyon que o escritor Erri de Luca foi a tribunal — projeto esse que está novamente na ordem do dia e onde os ecologistas que a ele se opõem têm sido vítimas de repressão.
Quer isto dizer que a ecologia política se deve moderar? Pelo contrário. Perante esta investida, é essencial estar ao lado dos que se levantam pelo nosso futuro comum e que o fazem de um modo inerentemente democrático e republicano. Como argumentou na sua defesa e com uma retórica apenas ao alcance dos grandes escritores, de Luca defende o direito à “palavra contrária”, acrescentando que “enquanto cidadão, a palavra contrária é um dever, ainda antes de ser um direito”.
Os próximos anos serão definidores das décadas que teremos pela frente, estando em confronto duas visões. De um lado, a grande escala, o produtivismo e o crescimento como fins em si mesmos, o lucro independentemente da distribuição, o humano como mestre da natureza. Do outro, a autonomia, o respeito dos limites e a emancipação dentro — e graças — a esses limites, a sobriedade, a convivialidade, o humano como parte da natureza. Saibamos estar do lado certo.
-Sobre Jorge Pinto-
Jorge Pinto é formado em Engenharia do Ambiente (FEUP, 2010) e doutor em Filosofia Social e Política (Universidade do Minho, 2020). A nível académico, é o autor do livro A Liberdade dos Futuros - Ecorrepublicanismo para o século XXI (Tinta da China, 2021) e co-autor do livro Rendimento Básico Incondicional: Uma Defesa da Liberdade (Edições 70, 2019; vencedor do Prémio Ensaio de Filosofia 2019 da Sociedade Portuguesa de Filosofia). É co-autor das bandas desenhadas Amadeo (Saída de Emergência, 2018; Plano Nacional de Leitura), Liberdade Incondicional 2049 (Green European Journal, 2019) e Tempo (no prelo). Escreveu ainda o livro Tamem digo (Officina Noctua, 2022). Em 2014, foi um dos co-fundadores do partido LIVRE.