fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

A ecologia polarizada

Nas Gargantas Soltas de hoje, Jorge Pinto fala da estratégia de polarização da ecologia levada a cabo pela direita europeia, alertando para os riscos de a oposição às medidas ecologistas poderem vir a servir de ponte às alianças entre a direita e a extrema-direita.

Opinião de Jorge Pinto

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Na última crónica escrevi sobre as diferentes visões de ecologia e sobre como a direita, numa deriva em direção a um negacionismo ecológico cada vez mais próximo do trumpismo, tem experimentado uma estratégia “atrasista”. Nesta estratégia, ensaia-se um discurso que, não negando ainda completamente a realidade das alterações climáticas e a responsabilidade do ser humano, defende um atrasar (ou mesmo a rejeição) de várias medidas, não porque o problema não exista, mas antes porque a solução, segundo esta linha de argumentação, teria um impacto inaceitável a nível económico. Com o discurso negacionista reservado para a extrema-direita, sobra à direita uma estratégia de polarização da ecologia, apresentando os ecologistas como terroristas e um perigo para a ordem democrática. Pelo caminho, esta polarização vai trilhando o caminho para eventuais coligações entre a direita e a extrema-direita. 

No editorial do último número do Green European Journal, dedicado precisamente às reorganizações políticas em curso fruto das novas divisões a nível ambiental, lê-se que o “desafio já não é convencer a sociedade que algo precisa de mudar”, uma vez que “esse esforço foi já bem sucedido”; a questão estaria portanto no como exatamente levar a cabo essas mudanças. E é aí que tudo se jogará.

É possível, provável até, que a ecologia esteja no centro da campanha nas próximas eleições europeias. Esta é uma previsão relativamente pouco arriscada tendo em conta não só a atenção que uma cada vez maior parte da população presta às ditas questões ambientais mas, e talvez sobretudo, pela não negligenciável possibilidade de a campanha se fazer durante um qualquer evento extremo associado às alterações climáticas. Em Portugal, arriscamo-nos a ir a votos durante um novo pico de calor, durante cheias em qualquer cidade do país ou, talvez o mais provável, durante um período de intensos fogos florestais. 

Mas mais: a temática ecológica poderá ser aquela que unirá uma parte da direita à extrema direita. Veja-se, por exemplo, como votaram os diferentes países europeus a proposta de lei da Restauração da Natureza: os únicos cinco votos contra foram dos Países Baixos, da Polónia, de Itália e da Suécia e Finlândia, estes dois últimos com governos nos quais a extrema direita entrou recentemente pelas mãos da direita. Também em Espanha os acordos entre o PP e o Vox se fazem (entre outros) sob o signo da anti-ecologia.

Voltemos à polarização. Não sendo possível esconder os impactos cada vez mais concretos das alterações climáticas, a direita concentrar-se-á cada vez mais no ataque aos ecologistas. Não se podendo atacar a mensagem, ataca-se o mensageiro. O exemplo mais paradigmático desta estratégia verifica-se em França, onde o governo decidiu recentemente dissolver o movimento “Soulèvements de la Terre”, naquilo em que pode ser visto como um “contrassenso histórico”. Ora, este contrassenso explica-se bem à luz desta necessidade de apresentar os ecologistas como prototerroristas, ganhando assim a opinião pública. Tal como Cassandra, condenamos ao descrédito aqueles que nos alertam para o futuro como consequência das nossas ações. 

A acusação de sabotagem aparece repetidas vezes no texto do conselho de ministros francês que deu origem à dissolução do movimento “Soulèvements de la Terre”. Tal não surpreende, tamanha é a força psicológica que a ideia de sabotagem transmite à opinião pública. Já em 2015 foi precisamente por ter apelado à “sabotagem” do projeto de ligação ferroviária de alta velocidade entre Turim e Lyon que o escritor Erri de Luca foi a tribunal — projeto esse que está novamente na ordem do dia e onde os ecologistas que a ele se opõem têm sido vítimas de repressão. 

Quer isto dizer que a ecologia política se deve moderar? Pelo contrário. Perante esta investida, é essencial estar ao lado dos que se levantam pelo nosso futuro comum e que o fazem de um modo inerentemente democrático e republicano. Como argumentou na sua defesa e com uma retórica apenas ao alcance dos grandes escritores, de Luca defende o direito à “palavra contrária”, acrescentando que “enquanto cidadão, a palavra contrária é um dever, ainda antes de ser um direito”. 

Os próximos anos serão definidores das décadas que teremos pela frente, estando em confronto duas visões. De um lado, a grande escala, o produtivismo e o crescimento como fins em si mesmos, o lucro independentemente da distribuição, o humano como mestre da natureza. Do outro, a autonomia, o respeito dos limites e a emancipação dentro — e graças — a esses limites, a sobriedade, a convivialidade, o humano como parte da natureza. Saibamos estar do lado certo.

-Sobre Jorge Pinto-

Jorge Pinto é formado em Engenharia do Ambiente (FEUP, 2010) e doutor em Filosofia Social e Política (Universidade do Minho, 2020). A nível académico, é o autor do livro A Liberdade dos Futuros - Ecorrepublicanismo para o século XXI (Tinta da China, 2021) e co-autor do livro Rendimento Básico Incondicional: Uma Defesa da Liberdade (Edições 70, 2019; vencedor do Prémio Ensaio de Filosofia 2019 da Sociedade Portuguesa de Filosofia). É co-autor das bandas desenhadas Amadeo (Saída de Emergência, 2018; Plano Nacional de Leitura), Liberdade Incondicional 2049 (Green European Journal, 2019) e Tempo (no prelo). Escreveu ainda o livro Tamem digo (Officina Noctua, 2022). Em 2014, foi um dos co-fundadores do partido LIVRE.

Texto de Jorge Pinto
Fotografia de Luís Catarino
*As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.*

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

14 Maio 2024

E que a festa dure até às tantas por mais tantos anos

14 Maio 2024

Se eu não gostar de mim, quem gostará?

9 Maio 2024

Acompanhar a política europeia é antecipar aquele que será o nosso futuro

9 Maio 2024

Pelas crianças (algumas)

7 Maio 2024

O futuro da Europa é Social

7 Maio 2024

A Maternidade e os Químicos

2 Maio 2024

Casa arrendada também é lar

30 Abril 2024

”Liberdade,liberdade!” – (Des)Igualdade de género e IA

30 Abril 2024

Liberdade, com L maduro!

25 Abril 2024

Disco riscado: Todos procuramos um lugar a que possamos chamar casa

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 ABRIL 2024

A Madrinha: a correspondente que “marchou” na retaguarda da guerra

Ao longo de 15 anos, a troca de cartas integrava uma estratégia muito clara: legitimar a guerra. Mais conhecidas por madrinhas, alimentaram um programa oficioso, que partiu de um conceito apropriado pelo Estado Novo: mulheres a integrar o esforço nacional ao se corresponderem com militares na frente de combate.

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0