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Entrevista a João Lourenço: “Nós vivemos dentro de um aquário, e era bonito tornarmo-nos pássaros e voar.”

Antes de pisar os palcos, João Lourenço deu os primeiros passos, em 1952, como intérprete…

Texto de Gerador

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Antes de pisar os palcos, João Lourenço deu os primeiros passos, em 1952, como intérprete da Emissora Nacional, uns anos mais tarde, chega à Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, do Teatro Nacional D. Maria II. Foram várias as peças de renome que por ele foram interpretadas, de Samuel Beckett a Shakespeare, de Frederico Garcia Lorca a Molière. Juntamente com Irene Cruz, Rui Mendes e Morais e Castro, funda o Grupo 4 na qual para além de intérprete, torna-se também produtor. Encena pela primeira vez, em 1973, a peça de Arthur Kopit, Oh Papá, Pobre Papá a Mamã Pendurou-te no Armário e Eu Estou Tão Triste e nos anos seguintes funda o Teatro Aberto, em Lisboa. Hoje apresenta-nos a sua mais recente encenação, Golpada, da autoria de Dea Loher, dramaturga alemã que conta a história de dois gémeos, Maria e Jesus Maria. Vindos de um meio desfavorecido, desde crianças sonham simplesmente em ser ricos e livres. Tal como na vida real, aparece-lhes alguém, um certo senhor Milagre, no seu caminho com uma proposta irrecusável, que, apesar das poucas figuras que os acompanham, a vidente Bonafide e o realizador Otto-Porno, os avisam dos perigos, nada nem ninguém os impede de atingir os seus sonhos, ou os seus objetivos?

Em conjunto com Vera San Payo de Lemos, João Lourenço construiu o imaginário de Golpada à sua maneira, levando-nos numa desconstrução da realidade, que João Lourenço mostra as consequências de um emocional infantil que se adapta à realidade em que vivemos e que nem sempre é a mais justa. Mesmo que a nossa perceção não nos permita ver essa realidade, tentamo-nos adaptar, procurando construir a nossa individualidade num meio em que não sabemos o que representamos, mesmo sem que seja em cima de um parque infantil.

Após o ensaio de imprensa, o encenador juntou os diversos jornalistas e falou-nos um pouco do espírito que ofereceu à peça da premiada dramaturga alemã, em jeito descontraído e casual, uma pequena conferência de imprensa, tornou-se na hora da história.

Que peça é que vou fazer de diferente, eu próprio, que seja diferente? Que seja para mim um desafio e para os atores?”

Assim começou João Lourenço a contar o que o levou a pegar em Golpada. “Nós conhecemos a Dea Loher pessoalmente, fizemos aqui, há cerca de 10 anos, a primeira peça dela em Portugal, Os Imaculados, estreamos aqui. E desde aí que mantive o contacto com ela em Berlim. Se virem o currículo dela, é das autoras mais importantes alemãs, e ela tinha feito esta peça, a última dela, e eu vi a peça, a Vera leu-ma – que eu não sei alemão assim tão bem para ler a peça inteira –, e isto era difícil de fazer: falar para o público, falar para eles, falam entre eles, isto é uma coisa muito difícil de fazer.”

A peça estreou no seu país natal em 2015, numa coprodução alemã e holandesa, que, segundo o encenador português, “era uma espetáculo muito melancólico, muito pesado, muito alemão, levava duas horas e tal”, o que o levou a aceitar o desafio, apesar de “não sei como pôr isto a falar para o público, a falar para trás. Fala do que foi antes, fala do que foi depois... e depois só sabemos de uma coisa: Antuérpia, mais nada. Sabemos que estão em Antuérpia e voltam para Antuérpia, e depois é o que a gente quiser”. Na “confusão” de 2015, em que existem duas Marias e dois Jesus Marias, mas João Lourenço via a peça como “uma coisa vital, isto é, a juventude hoje, que é já, agora, neste momento”.

Ana Guiomar e Tomás Alves em Golpada de Dea Loher

Ao deparar-se com a dificuldade da narrativa, percebeu que “onde se contam histórias é no teatro. Normalmente põe-se umas cordas, uns bancos corridos, cortinas, ou fundo, teatro moderno, e pronto. Eles vão contar a história no teatro. Mas onde é que eu podia arranjar a imaginação para esta gente pular? Para esta gente saltar? Que eu via isto no ar. Eles não tiveram infância, pois não? Na cabeça deles, está um parque infantil. Imaginei mesmo um parque infantil e nisso encontrar cenas, encontrar momentos, encontrar a poesia que a peça tem.”

Apesar da rapidez da peça, a poesia esconde-se entre as suas camadas, e tem de ser encontrada, sem que se diga. “A gente sente momentos poéticos nisto e sente uma grande atualidade. Porque realmente hoje, estes jovens vivem com o telemóvel dentro, mas nem se fala no telemóvel, fala-se em Internet, vivem com um pulsar que tem de ser agora, tem de ser já, o momento. Eles não querem o dinheiro para guardar para mais tarde. É já, é o Porsche, é contra a parede, é agora”, acrescentou o encenador.

No meio de uma rapidez absolutamente incontornável, João Lourenço sentia falta de elementos cénicos que pudessem transmitir essas mesmas e outras sensações. “Senti que tinha falta de música. A peça não fala de música, nem tem música na peça. Disse à minha produtora, à Célia, ‘preciso de dois músicos’, e fui buscar atores que eu conhecia, que já tinham trabalhado comigo, mas que tocam. Assim, em vez de dois, tinha cinco [músicos]. Depois assim à la cousturique, organizei uma maneira de todos contarem a história. E todos contam esta história ao público”, explica João Lourenço.

Apesar de ter sido publicada em 2015, para Lourenço, a peça de Dea Loher é bastante atual: “Vê-se muito a geração de hoje, a geração de gente que quer o já, mas que é atirada para este mundo assim, atirada para este mundo desta maneira, eles encontram assim e muitos como ela [Maria], dizem ‘eu podia ter estudado mais, tinha mais oportunidades, nem sei espanhol e o meu pai até era espanhol. Porque é que eu não tenho mais oportunidades?’. Eles têm consciência, e a gente sabe que a maioria não estuda, a gente sabe que a maioria não tira o 12.º ano e tem oportunidade para isso. Portanto, era isso que eu queria falar, dessas coisas. Vi que a peça tinha muitas coisas dessas, e achei que era uma peça que me punha problemas a mim e achei que ia ter de buscar atores que eu gosto, que eu conheço, e fazerem isto comigo, esta loucura”.

Acrescenta ainda que o próprio ambiente em que os gémeos estão inseridos é atual: “Temos um homem, um Otto-Porno, que é um realizador frustrado, que acabou a filmar pornografia, mas que gosta de Béla Tarr, gosta de Tarkovski, mas que caiu naquilo, mas tem lá uma filosofia de vida, assim uma coisa que é engraçada, que eles apreendem alguma coisa. Ela [Maria] até apreende como é que se faz amor, e fixa umas palavras dele. Depois têm aquela madame Bonafide, que é aquela madame interessante, porque a juventude hoje, com o que é que se depara? Chegam a casa e têm duas mães, chegam a casa e têm dois pais, mãe e pai, mãe-mãe ou pai-pai, ou têm pai e mãe, mas a mãe já não é esta, já é uma outra que está com aquele senhor. São coisas mais híbridas e esta mulher representa isso na juventude, representa aquele ser hibrido de hoje, é homem, é mulher? Tanto faz. E aquele rapaz é homossexual, ou não é? Não interessa isso, está apaixonado por aquela mulher que tira peixes do cabelo, que também é uma metáfora. Nós vivemos dentro de um aquário, e era bonito tornarmo-nos pássaros, sair destas paredes em que estamos e voar, que é o que esta gente quer. Senti que as pessoas aqui precisavam de voar. Se calhar, por isso, é que eles estão ali no ar, por isso é que eu arranjei um trampolim – os trampolins também estão nos parques infantis.”

Golpada de Dea Loher em cena até 28 de julho no Teatro Aberto

A desconstrução da realidade na peça passa pela criação de um imaginário infantil, o parque infantil é o cenário da história que os gémeos contam, o espetador ouve e vê a maneira descompassada da história quase infantil mas tão real e crua que contam. “Às vezes, o trampolim é uma mesa, outras vezes é mesmo trampolim, outras vezes... enfim”, explica João Lourenço.

Quanto ao toque singular que um encenador oferece a uma história, João relembra a reação do autor de (Segredos) Homem dos olhos tristes, Handl Klaus, à sua encenação que trouxe João Perry de volta aos palcos, sendo um homem mais velho a dar vida à personagem de trinta e poucos anos de Klaus: “Quando acabou a peça, ficou ali sentado na plateia. Disse que nunca tinha pensado a peça para um homem mais velho, que era horrível. A peça era duríssima.”

Questionado sobre a relação da sua encenação com o audiovisual, João Loureço afirma que “havia uma coisa que eu queria marcar nas pessoas, que era a história da morte da rapariga, com o abate do porco e o rapaz a ir lá buscar aquilo, e ela fala nisso. Eu queria que essa imagem ficasse. Não há vídeo [na peça], mas fiz esse vídeo para marcar bem. Depois no final, quando ele tem aquela ideia, porque eles é que amarraram o homem. Se formos a ver, são coisas muito pequeninas, como estarem a cantar no restaurante... São assim uns flashes que aparecem para a gente conseguir fazer uma peça e nós seguirmos a peça em cima de um parque infantil, que também é um bocadinho difícil, mas a gente segue”. Para o encenador, o interesse da peça centra-se no que não diz, “sugere imensas coisas. Este espetáculo não diz tudo” e conclui dizendo que “é mais uma que me desafiou.”

Golpada estará em cena na Sala Vermelha do Teatro Aberto, em Lisboa, até 28 de junho às 21h.

 

Texto de Rita Matias dos Santos
Fotografias de Teatro Aberto

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