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O sopro de Álvaro Lapa na vida de João Sousa Cardoso sente-se na sala de teatro

Numa sala a meia-luz vê-se ao centro uma mesa com Sequências Narrativas Completas, a última…

Texto de Carolina Franco

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Numa sala a meia-luz vê-se ao centro uma mesa com Sequências Narrativas Completas, a última obra literária de Álvaro Lapa. Entre elementos mais ou menos campestres, mais ou menos domésticos*, encontra-se João Sousa Cardoso, em tempos estudante que ouvia Lapa nas aulas de Estética na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, hoje encenador da peça que lhe permite revisitar o seu antigo mestre.

“Um professor é um sopro na vida de quem o escuta, mais ou menos distraído”, diz João Sousa Cardoso a dada altura. Da pintura à literatura, percorre os cinzentos na vida de Lapa, que nunca foi só preto e branco mas antes uma maré de possibilidades. Walter Benjamin, (Friedrich) Nietzsche e Max Stirner foram referências que passaram do mestre para o estudante, como uma espécie de herança; ainda que Stirner nunca tenham lido nas aulas.

Nesta peça-conferência, o encenador que é ator a fazer de si mesmo vai quebrando as limitações espaciais através de diálogos com Lapa e consigo, e da partilha das suas estórias com um público numa plateia que podia perfeitamente ser uma turma num auditório, a ouvir um monólogo — como conta que Lapa fazia nas aulas que dava nas Belas Artes. “As Profecias de Abdul Varetti, escritor falhado” vão-se cruzando com as profecias de um mestre deixou um legado que ultrapassa as telas e os livros, e até hoje conduz o trabalho do seu antigo aluno que com o passar da vida se tornou seu par.

João Sousa Cardoso vê no teatro “um pretexto” para se aproximar, habitar melhor o texto, e ir descobrindo fazendo. Depois de A Carbonária (2008), Raso como o Chão (2012) e Barulheira (2015), Sequências Narrativas Completas é um regresso ao universo de Álvaro Lapa e inevitavelmente um diálogo com os espetáculos anteriores.

“É mais um texto de uma conversa com um professor com quem eu não conversei em vida. Eu digo isso no início do espetáculo: conversámos uma única vez e ele já não era meu professor quando eu tentei convidá-lo para uma exposição coletiva em que ele não aceitou participar”, explica. Foi pela “falta de conversa em vida” e porque apenas mais tarde reconheceu a oportunidade que tinha ao estudar com Álvaro Lapa, que foi criando espetáculos que “arrastam os anteriores consigo; como uma conversa que se tem com um bom amigo.”

É o universo de Lapa — um artista “indisciplinado”, um pensador que escreve, pinta, desenha e ensina — que interessa a Sousa Cardoso.  “Esse itinerário intelectual está por fazer: que autores estudou, como estudou ao longo de 30 anos de professorado. Essa constelação é o que desenvolve o Lapa. Ele próprio desenvolve séries na pintura ou na escrita que atravessam décadas; séries interrompidas a que ele regressa mais tarde, portanto ele próprio tem uma visão de constelação do seu próprio trabalho”, refere.

“Somos cópias, somos dupla, somos espelho, somos repetição”, refere a meio da peça. É pela proximidade que sente com Álvaro Lapa que vê também no teatro uma oportunidade para “desdramatizar”, “no sentido em que é o contrário da idolatria ou da mitificação”. João Sousa Cardoso quer “fazer das coisas matéria prima” porque, para si, “tudo é motor, não é objeto de veneração; é matéria prima de trabalho.”

Além de Sequências Narrativas Completas, João Sousa Cardoso tem um conjunto de folhas que vai lendo

Pensa o teatro na mesma lógica em que Ângelo de Sousa pensava o desenho: “Eu procuro o mínimo a partir do qual é teatro” — explica— “um corpo presente, atuante, a pensar, a dizer texto, a relacionar-se com uma plateia debaixo de uma luz.” E é também nessa linha de pensamento que André Sousa, artista responsável pela cenografia de Sequências Narrativas Completas e que já tinha trabalhado com o encenador no filme “Na Selva das Cidades” (2016), constrói o cenário: “As preocupações que tivemos passaram por não tentar ser ilustrativos, porque o Álvaro Lapa tem um registo gráfico super marcante — era muito fácil fazer um “cenário à Lapa” —, mas transportar isso esteve sempre fora de questão”, conta o cenógrafo.

Corria o ano de 2005 quando Álvaro Lapa preparava “Reunião”, a última exposição individual no Porto com a sua obra completa e onde sentiu que fez “uma bricolage de ideias”, como conta no documentário de Jorge Silva Melo, Álvaro Lapa: a literatura (2008). Encontrou em “reunião” um sinónimo para “antologia” e encontrou na Galeria Fernando Santos uma casa para a despedida. Em 2019 — dez anos depois de ter começado a trabalhar (com) Lapa —, João Sousa Cardoso vê em Sequências Narrativas Completas “o fechar de um ciclo” com “este irmão artista”.

“Há um sentimento de fecho de um ciclo da minha parte, até porque durante anos todos os outros trabalhos foram com outros artistas e aqui senti necessidade de voltar a mim, e pela primeira vez estar sozinho em palco. Há qualquer coisa de muito radical com este gesto que eu interpreto como um ponto final, mas nunca sabemos”, confessa. Sendo a última peça que cria a partir de Lapa, há uma certeza que fica: “Todas as figuras que nos inspiram, que nos movem, continuam connosco. Vamos escolhendo a nossa família e o Lapa faz parte da minha, sem dúvida, como um dos mais queridos.”

Sequências Narrativas Completas estreia hoje, 28 de março, às 21h30. A peça fica em cena até ao dia 31 na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, com uma conversa com o artista após o espetáculo marcada para o dia 30. Informa-te mais, aqui.

 

*Referência a campéstico — expressão de Álvaro Lapa que junta “campestre” com “doméstico”, tendo como ponto de partida modéstico, a expressão de James Joyce que junta “mudo” a “doméstico”.

Texto de Carolina Franco
Fotografias de Filipe Ferreira

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