Uma vez por semana uma pessoa da cultura ou mesmo um colaborador do Gerador recomenda coisas para fazer em casa. Um filme, um livro, um disco, uma série, uma conta de Instagram e uma das nossas reportagens que vale a pena reler. Hoje é a vez da nossa Carolina Franco.
A Carolina é jornalista no Gerador desde dezembro de 2019. Lembra-se da primeira vez que viu uma revista Gerador nas bancas, na FNAC de Santa Catarina, no Porto, e da entrevista que fez para entrar para a equipa, numa Central ainda em obras e com um aquecedor junto à mesa improvisada. Procura convocar as vozes que nem sempre são óbvias, questionar a cultura portuguesa e a sua gestão, e contar histórias nas quais os caracteres vão parecer sempre insuficientes. Cada vez que vê uma revista Gerador numa montra não consegue evitar sorrir (e tirar uma fotografia para enviar à equipa).
UM FILME
A Toca do Lobo, de Catarina Mourão
“Todas as famílias guardam segredos. A minha não é excepção”, diz a Catarina Mourão no início da sinopse d’ A Toca do Lobo. Guiadxs pela sua voz, entramos num mundo que é muito seu, e que convida a que por momentos seja um pouco nosso também.
Catarina Mourão nunca conheceu o seu avô, mas acaba por perceber que há mais a uni-los do que a separá-los. Ao vasculhar arquivos pessoais (e outros não tão pessoais), a cineasta descobre a força que é capaz de unir os que nunca se encontraram, estabelecendo diálogos que nunca aconteceram em tempo real, mas que não são menos válidos por isso.
Uma neta que se lança numa viagem cujo destino não sabe ao certo qual é, à procura do avô que está em silêncio — mas só até se abrirem as portas necessárias. O (re)contar de uma história que, sem querer, também nos dá o retrato de tempos que alguns de nós não viveram e nos faz pensar nas portas que temos ainda por abrir.
UM LIVRO
Fernanda, de Ernesto Sampaio
Acabei de ler Fernanda no aeroporto, enquanto esperava o voo para São Miguel, a caminho do Walk&Talk. Percebi, a certa altura, que estava a fazer um esforço para não me desfazer em lágrimas na porta de embarque. Escolho-o para as Sugestões Residentes porque apesar de ser o livro mais pequeno que li no último ano, foi um dos que mais me marcou.
Fernanda é o livro que Ernesto Sampaio escreveu após a morte de Fernanda Alves, atriz e sua mulher, que nos convida a dar-lhe a mão naquele que foi também o último ano da sua vida. Uma vida a dois que passou a ser a um, uma cadeira ocupada que ficou vazia, uma alma que dia após dia se vai sentido sem rumo.
Cesariny disse que Ernesto Sampaio foi a única pessoa que conheceu que morreu de amor. Em “Fernanda” conta-nos os passos até essa morte e, por mais estranho que possa parecer, ensina-nos a viver.
Aqui deixo um excerto que encontrei num artigo da Joana Emídio Marques: “Quando a Fernanda estava viva, quase tudo era magia. O resto é utilitário e dá-me vontade de chorar. A magia é interior. A Fernanda era-me interior e exterior. Agora só me é interior. Não chega. Que fazer? Onde ir? Não posso deixar de amá-la. A recordação do seu rosto, da expressão do seu sorriso, ainda me enchem o coração de êxtase, de amor e de desespero. Desespero por não lho ter dito e por já não poder dizer-lho. Não posso imaginar-me sem ela. Sem ela não teria sido nada.”
UM DISCO
Entranhas, de Maze
Tenho várias músicas a compor a playlist da minha vida - algumas delas que entram e saem com o tempo -, mas este disco a solo do Maze tem sido a minha força motivacional desde que saiu. Faixa a faixa, pomos em perspetiva quem somos, o que queremos e onde vamos, no tom (sempre) positivo do Maze.
Em tempos mais estranhos, mas não só, “Entranhas” pode ajudar-nos a perceber como podemos olhar para o mundo e para os outros com mais empatia, pela voz do Maze e de outros convidados que se vão juntando a si quando é pertinente (o Agostinho da Silva é, logicamente, uma dessas presenças).
Para sair de casa com vontade de abraçar, para ficar em casa envolvidx por energias positivas, ou simplesmente para lembrar que a vida é mesmo o que fazemos dela.
UMA SÉRIE
Odisseia, de Bruno Nogueira
O Bruno (Nogueira) e o Gonçalo (Waddington), uma autocaravana e uma constante troca entre a realidade e a ficção. Odisseia foi, até há bem pouco tempo, um tesouro guardado no RTP Play longe de mim, mas a que me rendi assim que vi o primeiro episódio.
Com Tiago Rodrigues e Tiago Guedes no comando, a história que está sempre a um triz de ser trocada (ou de se chamar o Nuno Lopes quando começa a ficar sem graça) vai piscando o olho a clássicos como “Habla com ella” (Almodóvar) e “Paris, Texas”, enquanto põe em perspetiva a vida pública e privada de profissionais do espetáculo, as suas equipas e toda a sua gestão.
Para quem não costuma ver séries esta é A série. Para quem costuma, também.
UMA CONTA DE INSTAGRAM
Amazon Frontlines (@amazonfrontlines)
Porque é importante não nos limitarmos a estar atentos ao que se passa apenas junto a nós, a organização sem fins lucrativos Amazon Frontlines vai partilhando na sua conta de Instagram os problemas e as conquistas diárias de diferentes comunidades indígenas.
É nesta multiplicidade que vive a Amazon Frontlines: explicando realidades e contextos que grande parte de nós desconhece, através de histórias de pessoas reais, que dão o rosto, a voz e o seu nome pela cultura que querem preservar e pelos direitos que ainda precisam de conquistar.
O Brasil e a Bolívia são mais do que o que vemos nas notícias. E as comunidades indígenas estão vivas, têm as suas vozes e precisam (urgentemente) de ser ouvidas.
UMA REPORTAGEM DO GERADOR QUE VALE A PENA RELER
"A palavra doutro: Susana Moreira Marques sobre Joan Didion", pela Raquel Botelho Rodrigues
A peça que acho que vale a pena reler não é uma reportagem, é uma crónica. Uma crónica que parte de um encontro real entre a Raquel e a Susana Moreira Marques, e que teve como base a obra de Joan Didion. Escolho-o porque levanta questões sobre o jornalismo e a escrita com que me debato há muito internamente e que nunca consegui pôr em palavras.
A Raquel escreve com a alma e isso nota-se em todos os textos em que escreve, mas penso que neste encontro entre três mulheres - duas no mesmo espaço físico e a terceira numa outra dimensão - se encontraram três almas que escrevem como vivem. E isso é tão raro.
“Mesmo assim, Joan não se despe, e a página não é um espelho. Aproxima-te dela, mas tu nunca tens a sensação de a conheceres realmente. Deixa sempre algum enigma. É um equilíbrio muito difícil e é muito bonito”, diz Susana a Raquel a certa altura.
Uma leitura que é uma paragem (necessária) no tempo e que possivelmente te fará querer ler a obra completa de Didion.
Voltamos para a semana com mais sugestões fresquinhas!