No contexto de uma era de polarização consolidada, o racismo e as suas causas e implicações – sociais, económicas, culturais, políticas, educativas, portanto, num âmbito mais alargado – constituem, como todos sabemos, um problema social a identificar, considerar e combater. De acordo com Vala et al. (2015, p. 27),
“o racismo é definido como uma configuração multidimensional e tendencialmente articulada de crenças, emoções e orientações comportamentais de discriminação relativamente a indivíduos membros de um exogrupo, categorizado e objectivado a partir da cor, sendo aquelas reacções suscitadas pela simples pertença desses indivíduos a esse exogrupo”.
Através desta definição, conseguimos compreender que as simples diferenças biológicas são razão suficiente para que disparidades ao nível da existência e (con)vivência na sociedade ascendam e se componham em desigualdades sociais. Estas desigualdades, por sua vez, funcionando em lógicas de estruturação e de reprodução, contribuem para gerar, ampliar e perpetuar fenómenos de discriminação étnica, como o racismo, o qual também produz outras desigualdades sociais e, em casos mais extremos, fomenta processos de exclusão social.
No entanto, estes mecanismos e fenómenos não emergem apenas no/do contexto da modernidade tardia (Giddens, 1991), da modernidade reflexiva (Giddens, 1991; Beck, 2011) ou da modernidade líquida (Bauman, 2004) nem se revelam mais preponderantes nestas modernidades. O racismo possui assumidamente uma dimensão histórica, estando amiúde associado à época dos “descobrimentos” (quem estava perdido, afinal?) e das viagens marítimas e a processos de escravatura e colonização, os quais ocorreram por todo o mundo, mas com forte expressão na Europa, como nos argumenta o historiador Francisco Bethencourt (2015). É esta mescla de circunstâncias ocorridas no passado, visíveis a partir de uma perspetiva histórica, e no presente, passíveis de uma interpretação sociológica, que coloca desafios, no hoje e no amanhã, ao acesso igualitário e pleno das minorias étnicas a um amplo leque de direitos de cidadania (Magano, & Mendes, 2014).
Neste sentido, torna-se relevante a mobilização de toda a sociedade na luta contra o racismo e ao seu atributo discriminador e impeditivo de um acesso universal a recursos e identidades. Não obstante, assumimos que o sistema educativo, em geral, e a escola, em particular, têm um papel especial a defender neste combate, sobretudo por dois motivos: por conseguirem desocultar e denunciar os processos que enformam e reproduzem o racismo e colocar em evidência as consequências perniciosas deste fenómeno para os estudantes e para a sociedade; e, ao potenciarem a denominada educação antirracista, por valorizarem a cidadania enquanto ferramenta, mas também projeto de vida, na contestação e na contenda contra o racismo e pela diversidade cultural, tal como se encontra plasmado, de resto, no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (Martins, 2017; Ribeiro, & Menezes, 2015; Menezes et al., 2020).
É esta educação antirracista um exemplo de um processo que amplifica a mobilização cívica e a participação política que, na qualidade de atos e processos de motivação e expressão individual e coletiva pelas causas públicas, apresentam importância manifesta para a construção de projetos de democracia e de cidadania (Lawy, & Biesta, 2010; Deth, 2014). Como afirma o sociólogo Anthony Giddens (2017, p. 68), “agora, há um democrata em cada pessoa, mas sabemos que nem sempre foi assim”; em contrapartida, se a democracia foi um pilar essencial na produção de uma base estável de existência e de (con)vivência em sociedades cada vez mais líquidas, plurais, complexas e imprevisíveis (Bauman, 2004; Gonçalves, & Coimbra, 2016), torna-se igualmente possível afirmar que a configuração representativa deste sistema político tem deixado cada vez mais descontentes e desiludidas as populações dos países que investiram na sua consolidação (Giddens, 2008; Giddens, 2017).
Em suma, o racismo não deixa de ser mais um conjunto de pressupostos que ainda se encontram incrustados em várias esferas de um país a quem se exige uma reinterpretação do passado e da forma como as lições daquele são hoje transmitidas. Mas o sucesso desta nova visão do mundo social só se torna possível com o envolvimento pedagógico de todos num verdadeiro projeto cidadão de interpelação dos preconceitos étnicos, postura e empreendimento que darão força ao sistema da democracia e tornarão possível um maior bem-estar individual e coletivo.