Nos últimos anos Portugal foi invadido pela chamada Arte Urbana. Infelizmente, a maioria das “obras” são fruto de uma profunda ignorância artística. Ignorância, por parte dos “artistas”, que não conseguem passar da ilustração escolar e trivial. Ignorância, dos autarcas que têm abraçado estas iniciativas. Percebe-se porque o fazem. É barato, disfarça misérias urbanísticas e ilude a falta de verdadeiras políticas culturais.
Fui dos primeiros a falar do potencial de uma arte no espaço público. Na década de 1980, escrevi sobre o tema e estive na origem das manifestações nas Festas de Lisboa de 1991, através do Miguel Portas. Vários artistas reconhecidos intervieram então com várias obras de arte, de forma temporária, na cidade. Nas décadas seguintes, a arte urbana foi-se confundindo com o graffiti, que não é a mesma coisa. O graffiti, que existe há séculos, é, nas sociedades contemporâneas, e sobretudo a partir da década de 1960, uma forma de expressão marginal, por vezes, subversiva. No mundo da arte, surgiu como uma revolta dos jovens sem acesso ao mundo fechado e elitista das galerias e dos museus. Foi o caso de Basquiat e de Keith Haring, por exemplo. De seguida, tornou-se moda e banalizou-se, evoluindo para a verdadeira poluição visual que hoje invade as cidades e, aliás, todos os recantos, mesmo nas aldeias remotas.
Às “tags” do graffiti, têm-se juntado composições figurativas, umas mais bem feitas do que outras, mas todas extremamente banais. É uma arte infantilizada e de baixa cultura. Mesmo nos casos em que se pretende transmitir uma mensagem ou se remete para questões sociais, raramente se passa de ilustrações simplistas sem qualidade artística.
Num tempo em que a crítica foi substituída por batalhões de promotores a soldo e curadores profissionais, ninguém se atreve a dizer o que é evidente. Nem sequer os arquitetos, que o deviam fazer. A arte urbana é hoje um verdadeiro atentado urbanístico. Um lixo visual que, aliás, nalguns casos, é mesmo puro lixo.
Os autarcas, que têm aderido pelas razões já apontadas, não se dão conta de que, para além de sujarem as suas cidades, estão a herdar um problema. Muitas destas obras, na sua maioria com má execução e feitas com materiais pobres, vão precisar de constante manutenção, quando não de dispendiosa remoção. Faz lembrar aquelas pessoas que fazem uma tatuagem episódica e, um dia, quando a referência perde a graça ou a paixão termina, têm de se submeter a uma dolorosa operação para as remover. Só que aqui estamos a falar do espaço público.
Não sou favorável à censura, e muito menos a comissões de estética. A democracia resolve perfeitamente o problema. Os autarcas que patrocinam este lixo poderão sempre ser penalizados nas eleições.
O espaço urbano é por natureza caótico e líquido. Não é limpo, nem arrumado. Está em constante mudança. Uma coisa que parece fantástica hoje, amanhã é demolida e avançamos. É o que certamente acontecerá a muita arte urbana.
Até porque, nesta era da Inteligência Artificial, temos outras possibilidades bastante mais interessantes para intervenções no espaço público. Por exemplo, com a Realidade Aumentada. Permite a realização de obras imaginativas que, na sua virtualidade, não estragam nada. E só vê quem quer. É para aí que os verdadeiros artistas devem ir.
-Sobre Leonel Moura-
Leonel Moura é pioneiro na aplicação da Robótica e da Inteligência Artificial à arte. Desde o princípio do século criou vários robôs pintores. As primeiras pinturas realizadas em 2002 com um braço robótico foram capa da revista do MIT dedicada à Vida Artificial. RAP, Robotic Action Painter, foi criado em 2006 para o Museu de História Natural de Nova Iorque onde se encontra na exposição permanente. Outras obras incluem instalações interativas, pinturas e esculturas de “enxame”, a peça RUR de Karel Capek, estreada em São Paulo em 2010, esculturas em impressão 3D e Realidade Aumentada. É autor de vários textos e livros de reflexão, artística e filosófica, sobre a relação Arte e Ciência e as implicações, culturais e sociais, da Inteligência Artificial. Recentemente, esteve presente nas exposições “Artistes & Robots”, Astana, Cazaquistão, 2017, no Grand Palais, Paris, 2018, na exposição “Cérebro” na Gulbenkian, 2019 e no Museu UCCA de Pequim, 2020. Em 2009 foi nomeado Embaixador Europeu da Criatividade e Inovação pela Comissão Europeia.