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Ideologia desse género

Ainda nem um mês passou e já não os consigo ouvir. É importante falar sobre…

Opinião de Carmo Gê Pereira

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Ainda nem um mês passou e já não os consigo ouvir.

É importante falar sobre um tema que todos os dias invade cada vez mais órgãos de comunicação  social, principalmente pelas mãos de cronistas bafientos, redes sociais, numa campanha concertada da extrema direita e sectores da população mais conservadores. E se, em junho, acedemos a uma lufada de ar fresco com um momento revitalizador enquanto comunidade ocupámos as ruas e, com a crescente capitalização do movimento, vimos arco-íris em todo lado e um apoio temporalmente limitado do mercado, rapidamente o mês se acaba e voltamos a deparar-nos com discurso de ódio e desinformação disfarçados de opinião, onde tantos se voltam a demonstrar como guardiães de uma moral que nunca existiu nem serve a todes.

O termo "ideologia de género" tem o seu primeiro uso em textos doutrinários da Igreja Católica em meados da década de 1990, escritos pelo então cardeal e futuro papa Bento XVI, o alemão Joseph Ratzinger. A expressão é cunhada na Igreja em oposição a resoluções da Conferência Mundial de Beijing sobre a Mulher, em 1995, que orientou a substituição do termo "mulher" por "género" nos documentos da ONU e que apontou a desigualdade entre homens e mulheres como problema estrutural que só poderia ser abordado por “uma perspectiva integral de género”. O termo é cunhado então como uma oposição dos sectores conservadores da Igreja Católica contra o reconhecimento político e social da desigualdade de género. Populariza-se como uma expressão depreciativa usada por grupos conservadores contrários às discussões relacionadas com feminismo, sexualidade e diversidade. Quem usa este termo propaga um medo infundado e a crença que esta "ideologia" faria parte de um plano mundial para destruir a família cristã e a heterossexualidade.

Se já nos chegavam as crónicas com que os jornais da terrinha nos têm bombardeado, deixando claras as linhas de orientação editorial, agora surgem além de posts, pelo menos um gigante outdoor do ADN (rebranding do PDR) onde nos dizem que “Ideologia não é ciência”. Pois não. Se bem que, vindo de um partido em que o presidente se notabilizou por ser negacionista da COVID-19, não me parece que a ciência seja muito importante para estes. Vamos então esclarecer devidamente: ideologia não é ciência. Mas ao contrário da intenção do emissor percebamos:

*Ideologia é acreditar na existência de 2 sexos opostos e complementares. O que a ciência nos diz é que o processo de atribuição sexual é bem mais complexo. Em 1993, Anne Fausto-Sterling, reputada bióloga escreve um artigo intitulado: “The five sexes”. Segundo o que nos é ensinado, as fêmeas (re)produzem e têm no seu óvulo um tipo de cromossoma, X, e os machos carregam no seu esperma o cromossoma X ou Y. Simplificando muito, aquando da fertilização teremos uma combinação XX ou XY no feto que, por volta das 8 semanas de desenvolvimento, começa a desenvolver gónadas, as quais produzirão hormonas que serão fulcrais no desenvolvimento dos aparelhos reprodutivos e genitália externa do feto ao longo da gravidez. Isto seria não o género, mas o sexo biológico. E ainda agora começámos e nem tudo se reduz ao que aprendemos. Portanto, para já, temos o genótipo, cromossómico, e o fenótipo. Os caracteres sexuais observáveis, genitália, por exemplo. O esperado é que pessoas com XX nasçam com  determinados caracteres sexuais, ovários, vulva… e pessoas com XY tenham pénis e escroto. Isto não é assim, algumas pessoas são XX e nascem com pénis; outras são XY e desenvolvem seios. Algumas com caracteres sexuais ambíguos. Algumas dessas pessoas classificam-se como pessoas Intersexo. Isto no caso dos humanos; no reino animal há tantas variações quanto as que possamos imaginar, de lagartos que se reproduzem por partogénesis, sem intervenção do macho, a peixes e insectos com mais de três sexos, quatro, até. No caso de, pelo menos, uma espécie de peixes, as fêmeas têm a capacidade de se transformar em machos aptos a reproduzir.

  • Ideologia é a crença de que a compreensão de dois géneros apenas é universal e inequívoca: O que sabemos, cientificamente, é que diferentes culturas em diferentes tempos tiveram entendimentos diferentes sobre o conceito de género e sobre os diferentes papéis que desempenham estes diferentes géneros em cada sociedade, demonstrando o lugar social e construído quer do género quer dos papéis de género. Pelo que sabemos até agora também, nem o sexo cromossómico, nem gonodal, nem os órgãos reprodutores internos, nem a genitália externa, nem as hormonas na puberdade são determinantes directos da identidade de género;
  • Ideologia é a crença que uma educação sexual compreensiva é danosa ou condutora de comportamentos sexuais precoces. Estudos apontam que o ensino de Educação Sexual é importante para uma vivência saudável, alguns apontando inclusive que atrasa o início de uma primeira relação sexual e desenvolve competências de decisão e comunicação, com enfoque em processos de reconhecimento do tempo e consentimento de cada um. Também estudos e organizações internacionais nos demonstram que a construção de um ambiente de respeito e inclusão tem impacto no aumento da saúde psicológica e física e num ambiente escolar positivo.

E poderíamos continuar sobre o que realmente é isto de ideologia de género, aquela que é propagada por uma sociedade cis-hetero-normativa. Que nos ensina a submissão e domesticação de um género a outro, que apaga e não protege quem sofre violência, que acha a desigualdade um dado adquirido e até natural, porque assim interpreta os textos em que acredita.

Proponho outra visão, tudo é ideologia. Se reflectirmos, sabemos que não há tal coisa como uma posição neutra. As classificações de doença, crime ou pecado foram sempre construídas sobre suposições morais da época.

Teremos que optar, então, por uma ideologia que quer cercear identidades, patologiza pessoas, que se baseia na culpa, vergonha de ser e numa visão curta da experiência humana e que tem como principais técnicas de propaganda e conversão o medo, o alarmismo e a desinformação.

E outra, uma ideologia da empatia, do respeito pela diversidade e inclusão e pela curiosidade em aprender com a experiência e vivência de cada pessoa e que pretende reduzir o sofrimento e dor que cada pessoa sem lugar para se construir e poder existir passa. Ah! E baseada em factos científicos!

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre Carmo G. Pereira-

Carmo Gê Pereira é/tem um projeto português ligado à sexualidade com workshops, formações e tertúlias, sessões de cinema, ciclos de eventos e aconselhamento sexual. Atua de forma ativista paralelamente. Assumidamente LGBTQIA+, sex-positive de forma crítica tem-se destacado como: formadora de educação não formal, educadora sexual para adultos, na área do aconselhamento sexual não patologizante, expert em segurança, recomendação e utilização de tecnologias para a sexualidade. Formada em sexologia e doutoranda do Programa Doutoral de Sexualidade Humana da FCEUP, FMUP e ICBAS. Mais informação em www.carmogepereira.pt

Texto de Carmo G. Pereira
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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