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Liberdade, mas só dentro dos termos

No último mês e meio temos observado diariamente o escalar de atrocidades que o Presidente…

Opinião de Sofia Craveiro

©Jenniffer Lima Pais

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No último mês e meio temos observado diariamente o escalar de atrocidades que o Presidente Russo decidiu levar a cabo na Ucrânia. Num curto espaço de tempo passámos de uma tensão descredibilizada a uma invasão inacreditável. Todos os dias vemos os relatos de milhares de refugiados que viram as suas vidas arrasadas por aquilo que pareceu uma tentativa falhada de Blitzkrieg. O avançar das tropas russas parece ter ficado aquém dos planos de Putin, mas a destruição continua a deixar-nos estupefactos. As recentes imagens do massacre de Bucha parecem mesmo retiradas de um qualquer arquivo histórico da II Guerra Mundial.

Talvez por isso nos pareça óbvio e sensato que a quase totalidade da informação que nos chega mostre o lado da Ucrânia. É certo que é este o palco do ataque, mas será que não nos faz falta saber o que se diz do outro lado? A União Europeia acha que não. Ou melhor: decidiu que não.

No passado dia 2 de março, a UE anunciou a suspensão das emissões dos órgãos de comunicação do Kremlin - Russia Today e Sputnik - dentro do espaço mediático dos 27. O que está aqui em causa é a “importância das palavras” em tempo de guerra, segundo Ursula Von Der Leyen. “Estamos a ver uma enorme quantidade de propaganda e desinformação sobre este ataque a um país livre e independente”, e, por isso, “não vamos permitir que os apologistas do Kremlin despejem as suas mentiras tóxicas a justificar a guerra de Putin, ou a plantar divisões na nossa União”, disse a presidente da Comissão Europeia citada pelo jornal Público.

Mesmo sendo isto verdade, não são os cidadãos capazes de o constatar por si próprios? Enquanto comunidade de países democráticos e livres, não deveria a UE permitir que cada indivíduo fizesse a sua avaliação? É necessário este paternalismo no que à difusão de informação diz respeito?

A propaganda russa, por muito falsa e manipuladora que seja, é uma parte integrante e importante deste momento da História. A forma como o Kremlin escolhe relatar o que está a acontecer dá pistas, nem que seja para perceber o impacto disto junto dos cidadãos daquele país.

Não deixa de ser curioso pensar que em Portugal, durante o Estado Novo, a informação era analisada, editada e limitada “a bem da Nação”. Era com esta frase que eram rematados muitos dos telegramas e mensagens da Direção Geral de Censura aos órgãos de comunicação. Neste caso, a ideia expressa é a de “não plantar divisões na nossa União”, o que parece soar quase ao mesmo.

Se plataformas como o Youtube, Facebook ou Instagram decidem bloquear os mesmos canais na Europa – num ato de grande hipocrisia, diga-se – a UE não pode simplesmente seguir a mesma linha. Por muito revoltante que seja (e essa é uma discussão muito mais abrangente), uma coisa são empresas privadas, outra, muito diferente, são entidades oficiais.

Se a razão é decidida por decreto, estaremos a viver numa sociedade verdadeiramente livre e plural? Sabemos o quanto a linha entre informação e desinformação é cada vez mais ténue, mas a competência de os distinguir não pode estar sob a égide de qualquer estado (ou federação, se quisermos).

Conforme escreveu o advogado Francisco Teixeira da Mota, num artigo de opinião: “na Europa das democracias, se começamos a proibir jornais, rádios ou televisões porque transmitem propaganda ou fake news, estamos a introduzir e a normalizar um instrumento cortante e perigoso que, um dia, vai estar em cima dos nossos pescoços”.

Pensar que apenas a visão “correta” dos factos deve ser disseminada é limitar de forma drástica a capacidade de julgamento dos cidadãos. Não é novidade que vivemos num mundo onde se torna cada vez mais difícil perceber o que é fidedigno, onde qualquer pessoa pode fingir identidades, onde partidos cultivam eleitorado à custa da difamação e da mentira, mas a solução não passa pela limitação de informação (ou propaganda, neste caso). A solução passa pela consciencialização de cada um, que só pode ser feita depois de avaliadas todas as vertentes. A imposição de uma perceção significa, em última instância, um caminho totalitário que já começámos a fazer.

-Sobre Sofia Craveiro-

Espírito esquizofrénico e indeciso que já deu a volta ao mundo sem sair do quarto. Estudou Ciências da Comunicação nesse lugar longínquo que é a Beira Interior, e fez o mestrado em Branding e Design Moda, no IADE/UBI, entre Lisboa e a Covilhã. Viveu tempos convicta a trabalhar na área da Moda até perceber que não tinha jeito nenhum. Apaixonou-se pelo jornalismo ao integrar um jornal local teimoso e insistente que a fez perceber o quanto a informação fidedigna é importante para a vida democrática. Desde essa altura descobriu também que aprecia ser In.so.len.te e que gosta de fazer perguntas para as quais não tem resposta. Encontrou o seu caminho nesta casa chamada Gerador, onde se compromete a suar a alma em cada linha escrita.

Texto de Sofia Craveiro
Fotografia de Jenniffer Lima Pais
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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