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Uma manifestação anti-racista em Portugal

Nas Gargantas Soltas de hoje, Mafalda Fernandes, nos fala sobre a luta contra o racismo em Portugal.

Opinião de Mafalda Fernandes

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É claro que não é uma manifestação qualquer. É a verdadeira manifestação, a mais importante. Como todas as que defendem os direitos da comunidade negra e lutam por melhores condições de vida da negritude.

Sair às ruas não é fácil. Gritar em alto e bom som para o mundo o que aceitamos ou rejeitamos, obriga a expor a nossa vulnerabilidade a cru. Quando passamos por uma situação racista, a nossa dignidade é roubada. Quando gritamos pelas nossas vidas a nossa dignidade é exposta, para que todes a possam observar.

Lembro-me da primeira manifestação de que fiz parte, lembro-me como se fosse hoje. George Floyd tinha sido assassinado e eu não sabia se eu tinha direito a demonstrar uma indignação pública face ao sucedido.

Lembro-me de sentir um desconforto tão grande sobre quem eu era e a minha presença num espaço de luta pela comunidade negra. Era ali o momento para usar a minha voz e para que outras pessoas negras usassem a delas. Mas penso que como eu, muitos outros sentiram que não o conseguiam fazer.

Afinal ninguém acreditou em mim quando os acusei de racismo. Ninguém me perguntou o que eu sentia. De quem era a razão ou quem deveria pedir desculpa. Tudo o que eu sabia é que na vida era importante escolher qual o racista que vai com um olho negro para casa. Porque bater em todos os racistas com certeza não tornaria o mundo anti-racista, nem devolveria a minha dignidade de volta.

“Sua preta, agressiva, insuportável. Ninguém quer ser teu amigo!!!”

No dia 24 de fevereiro, em modo barata tonta, procurei todas as faces negras que me rodeavam na Praça da Batalha no Porto. Queria que juntes, caminhássemos ao som dos tambores da Batucada Radical. E que fôssemos o rosto desta luta interminável.

Não é que já tenha encontrado o meu espaço seguro onde o desconforto tenha desaparecido. É só que sinto que estou a ficar sem tempo para lutar pela minha vida. Sinto-me a ficar sem oxigénio e a não conseguir respirar numa sociedade em que o ódio impera.

À porta de umas eleições antecipadas, com tantos partidos que ainda estão muito longe de compreender o que é ser anti-racista, vimo-nos obrigades a sair às ruas e a apelar ao voto contra o racismo!

O que é o voto contra o racismo? É o voto que protege as condições de vida dos mais vulneráveis. É o voto, que conscientemente, compreende as diferenças de poder entre ricos e pobres. O voto que procura dar respostas para problemas de grupos dos quais as suas necessidades não são atendidas.

Será suficiente? Talvez não. Um voto contra o racismo ainda não é um voto anti-racista. Levantam-se bandeiras pela minha vivência, erguem-se vozes pela nossa luta, mas o negro é o ser mais sozinho e isolado do mundo.

Porque para pertencer, o anti-racismo tem de se espalhar com um vírus. Não fazemos parte e os que berram por nós têm um muro invisível à sua frente que nos separa e divide.

O negro vê o muro. Quer ultrapassá-lo. O branco não vê o muro. Os partidos criam muros que não existem. Então, nós negros, sozinhos continuamos no caminho que iniciamos há séculos. O caminho que permitiu acabar com a escravatura e o tráfico de escravos. O caminho que nos levará à liberdade.

Ainda há muito para fazer. Muitas vozes silenciadas. Outras vozes como a minha sem saberem onde se encaixar. Porque as praças no Porto não me pertencem, não foram feitas para que as pisasse com indignação. As ruas portuenses não carregam em si um espírito anti-racista que me deixe ser quem verdadeiramente sou.

Abri mais algumas portas e descobri pequenas respostas para a minha luta que é coletiva. Nem todos o podemos fazer. É o meu privilégio que me permite adquirir esse conhecimento.

Pessoas negras pobres, pessoas negras que trabalham nos serviços, pessoas negras que acabaram de chegar a Portugal, pessoas negras que não falam o Português, pessoas negras com deficiência, pessoas negras neurodivergentes, pessoas negras no seu geral, não estão presentes.

Somos uma elite que se não se comportar como a “carneiragem”, não passaremos de um novo opressor para o verdadeiro oprimido. A luta contra o racismo é de todes, mas para já enquadra-se apenas para alguns.

É muita intelectualidade e pouco tato. Contra mim falo. Temos que melhorar. Temos que sentir mais e falar menos.

Porque eu quero a mulher negra de meia idade com um ar esgotado sentada na paragem de autocarro na frente das marchas anti-racistas!

-Sobre Mafalda Fernandes-

Nascida e criada no Porto, filha de pais brancos e irmã de mulheres negras. Formada em Psicologia Social, o estudo e pensamento sobre problemas sociais relacionados ao racismo, são a sua maior paixão. Criou o @quotidianodeumanegra, página de Instagram onde expressa as suas inquietudes. Usa o ecoturismo como forma de criar consciência anti-racista na sociedade. Fã de Legos, livros e amizades, vive pela honestidade e pelo conhecimento. 

Texto de Mafalda Fernandes
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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